Nem todo mundo que põe fim à própria vida tinha histórico de transtornos mentais, afirma o especialista, pediatra Orli Carvalho
Por Everton Lima, da Fiocruz | Do Rio de Janeiro
Dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade em 2017, do Ministério da Saúde, informam que, no Brasil, uma média de 11 mil pessoas tiram a própria vida por ano.
No período de 2010 a 2015, uma análise identificou que os maiores índices de suicídio estão na Região Sul (23%), onde estão concentrados apenas 14% da população, enquanto o Sudeste concentra 38% dos suicídios e 42% da população do país.
O suicídio, ainda segundo esse sistema de informação, é a quarta maior causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos.
Para abordar diversos aspectos do tema, como a cautela para lidar com os casos e a influência das redes sociais na ampliação do debate, o Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente (IFF/Fiocruz), indicou o pediatra e psiquiatra da infância e adolescência, Orli Carvalho, para tirar algumas dúvidas.
Confira a entrevista:
IFF/Fiocruz | O suicídio tem relação com transtornos mentais?
Orli Carvalho | Existe uma vertente, mais da Biomedicina, de remeter o suicídio, enquanto desfecho, aos transtornos mentais, pois há uma lógica de que 90% dos casos teriam esses transtornos associados. Porém, não posso afirmar que todo mundo que comete suicídio estava doente em termos psiquiátricos. O que é possível dizer é que se trata de uma manifestação clara de sofrimento psíquico, uma confluência máxima de dor, perturbação e pressão.
IFF/Fiocruz | Como são analisados os casos?
Orli Carvalho | É complicado estabelecer uma linha causal para identificar os motivos pelos quais os eventos aconteceram, já que são multifatoriais e fenômenos complexos e pluridimensionais. Como sugere a Teoria de Causalidade Complexa, tudo pode ser causa e consequência, por isso é necessário agir com precaução ao acontecerem os casos e não ter pressa em responder às demandas de achar suas razões ou dar diagnósticos com rapidez.
IFF/Fiocruz | Qual o papel da mídia ao comunicar um caso?
Orli Carvalho | A Organização Mundial da Saúde (OMS) é muito clara em orientar como se deve noticiar um caso, evitando o destaque gráfico ao óbito, os detalhes sobre a vítima e os métodos utilizados, e privilegiando as informações sobre as possibilidades de prevenção e enfrentamento de novos casos, além do cuidado com os sobreviventes (posvenção). Os meios de comunicação têm grande abrangência, em especial as redes sociais. Uma vez que esses veículos existem, não é pertinente bani-los, mas nos atentarmos para um bom uso deles.
IFF/Fiocruz | Você acredita que o tema deixou de ser encarado como um tabu?
Orli Carvalho | Tínhamos um silêncio que corroborava um tabu. Com o advento das redes sociais, o conhecimento sobre o suicídio é ampliado, mas a forma como as informações se espalham pode ser perigosa. No entanto, não podemos negar a relevância da internet, pois ela leva o assunto ao grande público, como aconteceu, recentemente, com o jogo Baleia Azul e a série 13 Reasons Why, que trouxeram a discussão para as escolas e para dentro das casas. Porém, tal como a morte, em nossa sociedade, o suicídio ainda é um tabu, ou um duplo tabu, por ser a morte autoprovocada.
IFF/Fiocruz | Que mecanismos você ressalta para a prevenção do suicídio?
Orli Carvalho | Na área da saúde, precisamos valorizar, principalmente, o atendimento de emergência e a atenção básica, que devem estar atentos àquelas que seriam as mais claras ou as primeiras manifestações de um sujeito em sofrimento. Em se tratando da pediatria, alterações no comportamento e funcionalidade global, como as diversas manifestações de agressividade, irritabilidade, queda do rendimento escolar ou desinteresse em atividades, até então, prazerosas, sinalizam à família, à escola e aos profissionais de saúde que a criança ou o adolescente não estão bem. Reconhecer, valorizar e conduzir adequadamente tais manifestações é uma etapa importante para tentarmos evitar comportamentos autolesivos como o suicídio.
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Imagem em destaque: reprodução do material “mitos e verdades” sobre o suicídio na adolescência, da Associação de Psiquiatria do Rio Grande do Sul
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