Arma na mão só piora a violência

É o que mostram dados e fatos, e é o que analisam especialistas como o consultor legislativo Tarciso dal Maso, doutorando em Direito Internacional

Por Giovana Guedes Guarino* | De São Paulo (SP)

Em junho último, o estado do Rio Grande do Norte atingiu a marca de mil homicídios neste ano. A quase totalidade desses homicídios – exatos 916 – se refere a mortes ocasionadas por armas de fogo contrabandeadas ou roubadas.

A taxa de homicídio por armas de fogo no Rio Grande do Norte, de mais de 90%, é superior à taxa de homicídios por armas de fogo média no Brasil (71,1%), e acima dos dois países líderes na América Latina nesse quesito: El Salvador (76,9%) e Honduras (83,4%). Os dados são do Atlas da Violência de 2018.

O caso do estado nordestino, associado a outros fatos e dados ligados ao assunto, é um sinal de que arma na mão não é sinônimo de população mais segura. Ao contrário, conforme sublinha o consultor legislativo Tarciso dal Maso, graduado em Direito, mestre em Relações Internacionais e doutorando em Direito Internacional.

“Não é espalhando armas entre a população, não é essa política pública que nos levará ao controle da segurança interna”, afirmou o especialista em entrevista coletiva a participantes da edição deste ano do curso Jornalismo em Áreas de Conflitos Armados e Outras Situações de Violência, promovido pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha em São Paulo.

A fala de Maso, que atua como consultor legislativo no Senado brasileiro, vai de encontro a propostas como o projeto de lei 3722, de 2012, do deputado federal Rogério Peninha Mendonça (MDB-SC), da chamada “bancada da bala”, pedindo uma revisão do Estatuto de Desarmamento, facilitando a posse de armas. O armamento da população tem sido pauta de vários debates, inclusive no processo eleitoral deste ano.

TRÁFICO DE ARMAS

O tráfico de armas de fogo é considerado pela Organização das Nações Unidas – a ONU – como a terceira maior atividade criminosa do mundo, com um valor de lucro estimado de um bilhão de dólares por ano, segundo o projeto “Havocscope”, que compila dados oficiais de governos diversos.

A própria ONU, em 2013, conseguiu aprovar um Tratado de Comércio de Armas, o qual busca encontrar uma maneira de controlar melhor a circulação de armas ao redor do mundo e, além disso, desenvolver mecanismos para que as armas já traficadas não tenham continuidade – como, por exemplo, impedindo a circulação de munições extras e desencorajar o desenvolvimento de armas nos países com grandes indústrias bélicas.

O Brasil é um signatário do Tratado de Comércio de Armas, mas não o ratificou. Para ratificar um tratado, o Estado Parte deve traduzir o tratado e vinculá-lo à legislação vigente do país. Assim, o tratado passa a ter validade nacional.

O tráfico de armas geralmente acontece a partir do saque, sabotagem ou emboscadas em momentos de transportação das armas e munições de maneiras descuidadas ou irresponsáveis.

Uma pesquisa realizada pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha em 1999 revela que “a disponibilidade generalizada de armas facilita as violações ao Direito Internacional Humanitário (DIH) e tem consequências nocivas para os civis durante os conflitos armados”. Esse fato evidencia a urgência de termos no Tratado de Comércio de Armas mais eficientes no que diz respeito ao cuidado com a exposição constante de armas tanto ilegais quanto legais aos civis.

APELO

O Comitê Internacional da Cruz Vermelha, organização humanitária que opera em áreas de guerras e outros conflitos armados, publicou um apelo aos Estados Parte signatários do Tratado de Comércio de Armas para que executassem com mais eficácia o que ficou decidido pelos protocolos.

A Cruz Vermelha escreve que “todos os Estados devem ser encorajados a: (…) reconhecer sua obrigação de garantir o respeito pelo DIH ao incluir no tratado um requisito de avaliação da probabilidade de que graves violações ao DIH podem vir a ser cometidas com as armas que estão sendo transferidas e negar-se a transferi-las se houver um risco claro de que as armas serão usadas para cometer graves violações ao DIH; incorporar tais exigências nas regulamentações nacionais, regionais e sub-regionais existentes e futuras sobre as transferências de armas convencionais e munições.”

O tráfico de armas em territórios de conflitos armados acontece em uma dimensão tão grande que, mesmo com a finalização dos conflitos, civis se veem sob as mesmas ameaças que viviam durante o mesmo. Essa situação acarreta em uma maior dificuldade nas operações da Cruz Vermelha, já que ameaças à segurança do pessoal sanitário são constantes, deixando um custo humano em áreas de guerras e pós-guerra inestimável, tudo isso devido à disponibilidade ostensiva de armas de fogo e munições, porque não há uma regulamentação eficiente em vigor que controle essa circulação de armas.

Atualmente, nenhuma área do Brasil é considerada como uma área de conflito armado, internacional ou não. Por definição do Direito Internacional Humanitário, para que uma área seja batizada como um conflito armado, existem dois critérios a serem cumpridos: que existam grupos armados com organizações “similares” à de um exército e um conflito intenso e duradouro.

* Estudante de jornalismo na PUC-SP. Matéria produzida como parte do curso “Jornalismo em Áreas de Conflitos Armados e Outras Situações de Violência”.

Imagem em destaque: Tarciso dal Maso. Foto de Bruno de Lima


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