Além disso, aumentou o número de brasileiros vivendo abaixo da linha de pobreza. As políticas de ajuste fiscal, que cortaram investimentos em serviços públicos, levaram o Brasil a retroceder 20 anos em 2
Da Oxfam Brasil, extraído do Vi o Mundo | De São Paulo (SP)
Pela primeira vez nos últimos 15 anos, a redução da desigualdade de renda parou no Brasil, e também pela primeira vez, em 23 anos, a renda das mulheres retrocedeu em relação aos homens.
São as palavras de um estudo da Oxfam Brasil, divulgado no fim do mês passado.
Dias atrás, um levantamento do IBGE trouxe outro dado triste às vésperas de Natal: de dois anos para cá, a pobreza e a informalidade aumentaram no país.
O gráfico abaixo mostra:
- na linha verde, a queda ano a ano, entre 2002 e 2015, da desigualdade da renda familiar per capita. Em 2016 e 2017, porém, essa trajetória foi interrompida.
- nas colunas, como a renda dos 40% mais pobres vinha crescendo em relação à renda média nacional, também de 2002 a 2015, e como isso se inverteu em 2016 e 2017.
Confira:
Outras constatações do estudo da Oxfam Brasil:
- Entre 2002 e 2015, o país vivenciou diminuição do Gini renda, isto é, o índice de desigualdade relativo à renda média das famílias brasileiras.
- Há sete anos, a proporção da renda média da população negra brasileira se encontra estagnada em relação aos brancos.
- Além disso, em 2016, retrocedemos 17 anos em termos de espaço para gastos sociais no orçamento federal.
“País estagnado: um retrato das desigualdades brasileiras” é o título do trabalho da Oxfam Brasil. O estudo aponta ainda que:
- Em 2017, o Brasil tinha 15 milhões de pessoas pobres – que são as que sobrevivem com uma renda de US$ 1,90 por dia (pouco mais de R$ 7, segundo critério do Banco Mundial) –, ou 7,2% da população.
- Houve um crescimento de 11% em relação a 2016 (13,3 milhões de pobres, 6,5% da população).
- Esse é o terceiro ano consecutivo que o número de pobres aumenta no Brasil, tendência iniciada em 2015.
“Infelizmente, nosso relatório revela que o país estagnou em relação à redução das desigualdades. Mais que isso, podemos estar caminhando para um grande retrocesso. E, novamente, quem está pagando a conta são os mesmos de sempre: as pessoas em situação de pobreza, a população negra e as mulheres”, afirma a diretora-executiva da Oxfam Brasil, Katia Maia.
Para o autor do relatório, Rafael Georges, coordenador de Campanhas da Oxfam Brasil, o Brasil está seguindo um caminho que é exatamente o oposto do que deveria ser feito para reduzir desigualdades.
“Cortamos gastos que chegam nos que mais precisam – estamos falando de gastos em educação, saúde, assistência social – e não mexemos no injusto sistema tributário que temos.”
Rafael acrescenta que, com algumas mudanças no sistema tributário, o Brasil poderia avançar de dois a cinco anos em redução de desigualdades, considerando a média de redução verificada no país desde a Constituição de 1988.
Para o especialista em responsabilidade social Oded Grajew, presidente do Conselho Deliberativo da Oxfam Brasil, “estamos deixando de cumprir a nossa Constituição Federal, a qual diz que devemos ter um sistema de arrecadação que seja justo”.
Confira a seguir os principais dados do relatório “País estagnado: um retrato das desigualdades sociais brasileiras”
PARTE 1 – ESTADO DAS DESIGUALDADES BRASILEIRAS
Em 2017, o Brasil parou de reduzir desigualdades:
- O Índice de Gini da renda familiar per capita, medido pelas pesquisas domiciliares se manteve parado nos anos de 2016 e 2017. Desde 2002 isso não acontecia.
- Também pela primeira vez nos últimos 15 anos, a relação entre renda média dos 40% mais pobres e da renda média total foi desfavorável para a base da pirâmide.
- A metade mais pobre da população teve uma retração de 3,5% de seus rendimentos do trabalho e 1,6% de queda se consideradas todas as rendas.
- Em 2017, a renda média da metade mais pobre foi de R$ 787,69, menos de um salário mínimo.
- Já o topo da pirâmide teve uma outra realidade. Os 10% mais ricos tiveram um crescimento de quase 6% em seus rendimentos do trabalho, e de 2% se consideradas todas as rendas no mesmo período.
- Em 2017, a renda média total do decil mais rico foi de R$ 9.519,10, cerca de 10 salários mínimos por mês.
- Considerando dados da Receita Federal, a renda média mensal declarada em 2017 (ano-calendário 2016) dos 10% mais ricos no Brasil foi superior a R$ 13.000,00.
- Dos mais de 12 milhões de brasileiros com renda que formam os 10% mais ricos do país, 75% ganha até 20 salários mínimos de renda tributável – mais da metade ganha até 10 salários mínimos.
- O grupo de cerca de 1,2 milhão de pessoas que compõem o 1% mais rico do país tem rendimentos médios superiores a R$ 55.000,00 ao mês.
- O Brasil está atrás somente do Catar em concentração de renda no 1% mais rico, sendo 29% a fatia concentrada no país árabe e 28% por aqui.
- O IBGE calcula que os rendimentos mensais do 1% mais rico representa 36,3 vezes mais que aqueles dos 50% mais pobres.
- Os dados das declarações de Imposto de Renda de Pessoa Física apresentam um número significativamente maior, indicando que o 1% mais rico ganha 72 vezes mais que os 50% mais pobres.
As desigualdades de renda entre grupos raciais aumentaram nos últimos dois anos:
- Em 2016, pessoas negras ganhavam 57% dos rendimentos médios de pessoas brancas, caindo para 53% em 2017.
- Em 2017, pessoas negras pobres ficaram ainda mais pobres, com redução de cerca de 2,5% de renda, enquanto pessoas brancas pobres seguiram direção oposta, com incremento de quase 3% de renda
- Entre 2016 e 2017, pessoas brancas do decil mais rico tiveram ganhos de rendimentos de 17,35% enquanto pessoas negras incrementaram suas rendas em 8,10%.
- Desde 2011 a equiparação de renda das pessoas negras está estagnada.
As desigualdades entre rendimentos de mulheres e homens também aumentaram nos últimos dois anos:
- A equiparação de renda entre mulheres e homens recuou entre 2016 e 2017, de 72% para 70% dos rendimentos dos homens. É o primeiro recuo na equiparação da renda das mulheres em 23 anos.
- No topo da distribuição, homens tiveram quase 19% de aumento em seus rendimentos entre 2016 e 2017, enquanto mulheres viram seus rendimentos médios aumentarem a uma fração disso, 3,4%.
- A lacuna de rendimentos entre mulheres e homens foi refletida na última atualização do Pnud para o IDH brasileiro, que aponta um coeficiente de 0,761 para homens enquanto ele é de 0,755 para mulheres.
- Há quatro anos, a desigualdade na renda habitual do trabalho (ou seja, considerando aqui somente o salário principal) vem aumentando.
A proporção de pobres voltou aos mesmos níveis de 2012:
- Sob o critério-base do Banco Mundial, de 1,90 dólar por pessoa/dia, havia cerca de 15 milhões de pobres no país em 2017, ou seja, 7,2% da população; um crescimento de 11% em relação a 2016, quando havia 13,3 milhões de pobres (6,5% da população).
- Sob o critério para Upper-middle Income Economy, o Brasil teria hoje mais de 22% de sua população em situação de pobreza, 45 milhões de pessoas em vez de 13 milhões.
- Em 2016, pela primeira vez desde 1990, o Brasil registrou alta na mortalidade infantil, que subiu de 13,3 em 2015 para 14 mortes por mil habitantes (4,9% a mais que o ano anterior).
- Nestes dois anos, o Brasil se manteve no mesmo patamar do Índice de Desenvolvimento Humano, 0,743, permanecendo na 79ª posição do ranking do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), de um total de 189 países.
- Segundo dados atualizados o Pnud, o Brasil ocupa, em 2018, a 9ª pior posição em termos de desigualdade de renda medida pelo coeficiente de Gini num conjunto de 189 países.
PARTE 2 – TRIBUTAÇÃO E GASTOS SOCIAIS CONTRA AS DESIGUALDADES
No Brasil, estima-se que o efeito geral das transferências e da tributação é de redução de desigualdades na ordem de 5,7%, chegando a 21,8% se considerados os gastos em saúde e educação:
- O sistema tributário aumenta desigualdades em cerca de 2%.
- O efeito das transferências diretas é de redução de desigualdades em 7,6%.
- Provisões em saúde e educação reduzem desigualdades em 17,1%.
Ao longo do período pós Constituição de 1988, expandimos nossa carga tributária bruta de cerca de 20% do PIB para mais de 33% do PIB, em 2005, e passamos a manter esse patamar desde então.
- Dentre os países da lista da Organização para a Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil figura entre os únicos três cujos tributos indiretos superam os diretos na composição da carga (Turquia e Chile são os outros dois).
- Nessa lista, o Brasil é o que menos tributa renda e patrimônio como proporção da carga tributária bruta, pouco mais de 22%. Na média da OCDE, esse nível é de 40%.
- Por outro lado, a tributação indireta brasileira chega a quase 50%, enquanto, em média, a OCDE não passa de 33%.
- Não há diferença substantiva entre a tributação relativa da base (40%) e do topo (20%) da pirâmide social, com categorizações variando de 17% a 26%.
- A tributação indireta aumenta a carga tributária de famílias e indivíduos que estão entre os 40% mais pobres aos mesmos níveis daqueles 20% mais ricos.
- Negros (considerando indivíduos e casais pretos e mestiços) da base da pirâmide destinam de 17% a 23% de seus rendimentos ao pagamento de tributos, com muito maior ênfase na tributação indireta. Trata-se de uma proporção parecida com a variação entre brancos pobres, que gastam de 18% a 25% de seus rendimentos em tributos, também majoritariamente indiretos.
Em outras palavras:
Ser pobre significa pagar mais tributos; ser pobre e negro significa pagá-los sobre uma base de renda ainda menor.
Considerando a média anual do total de redução do índice de Gini no Brasil desde a Constituição Federal de 1988 até 2015, a simples instituição da tributação de lucros e dividendos poderia, numa tacada, reduzir as desigualdades que levamos dois anos para reduzir:
- Redistribuir a carga tributária atingiria uma redução equivalente a 5 anos.
- 8 em cada 10 brasileiros esperam que governos ajam para reduzir desigualdades.
- 71% dos brasileiros se posicionam à favor do aumento de impostos para pessoas muito ricas
Quanto aos gastos sociais, o Brasil utilizou em 2016 o equivalente a 22,8% do PIB com os principais gastos sociais:
- 12,25% (54% do total) foram para benefícios previdenciários;
- 1,55% (cerca de 7% do total) foi para assistência;
- 3,98% para saúde;
- 5,01% para educação.
O impacto de gastos sociais em saúde e educação é, em média, de 64% para casais com filhos dentro dos 40% mais pobres, chegando a 71% para arranjos familiares compostos por mulheres com filhos:
- Em 2016, já houve uma redução de 13 pontos percentuais em relação ao espaço fiscal ocupado pelos gastos sociais de anos anteriores.
- Trata-se de um retorno de 17 anos em priorização de investimentos sociais contra desigualdades.
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Imagem em destaque: criança em condição de extrema pobreza. E o nosso futuro? Foto da Agência Brasil (nome do fotógrafo não identificado; se alguém souber, nos avise para darmos o crédito: redemacuco@protonmail.com)
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