“Meu único apelo é que o sol volte a deixar esse povo mais feliz”. Um conto escrito dias antes do temporal da Baixada Santista, já prevendo a chuva intensa, cai direitinho nestes dias em que se tenta uma recuperação.
O verão deste ano tem sido gelado e a praia anda jururu pedindo sol
Os raios têm sido frequentes, assim como os ventos fortes. Faz semanas que a chuva está devorando as cidades da Baixada Santista – e algumas do Vale do Paraíba
Por Nicole Zadorestki Caroti | De São Vicente, Baixada Santista (SP)
O verão deste ano tem sido cruel aos apaixonados pelo sol. Inclusive, faz tempo que eu não o vejo. É claro que este conto não é sobre os amantes do calor e suor na testa – é sobre mim, mas tudo dentro do meu peito fala sobre o outro. Então, vamos lá!
Moro no litoral paulista e aqui é uma terra praiana por natureza. As pessoas vivem com chinelos nos pés – sejam elas quem forem – em todos os cantos da cidade. Porém, por aqui podemos até classificar esse estilo comum: o pessoal da classe média usa Havaianas, e se diverte colecionando exemplares de séries e filmes. Já o pessoal da farofa na praia se resume a um par de Ipanemas e, quem sabe, uma Havaianas de vinte e poucos reais.
Ambos adoram ir aos mercados usando um chinelão. No entanto, não se engane. As unhas pintadas de rosa bebê são diferentes das unhas amarelas com lascas da tintura. Mas lembre-se, todos estes pés caminham pela cidade.
O verão por aqui é agitado. Uma das melhores épocas do ano, pois as cidades da região recebem milhares de turistas que descem pelas rodovias. O final de ano reuniu muita gente pelas orlas das praias de Santos. E mais, no carnaval de Santos jovens e adultos se reuniram para celebrar algum motivo maior que eles. Entretanto, a brincadeirinha da folia sempre esconde um problema maior – os ventos do conservadorismo.
No carnaval a cidade adora o som alto, mas fora desta data, os músicos são obrigados a se apresentarem em estabelecimentos sem condições técnicas favoráveis – e sempre até uma da manhã.
Fora dos feriados, tudo segue como planejado. Ah, e sol? Ele alegra o mar e faz o riso das crianças ser mais sincero. Pra mim, um dia ensolarado num sábado qualquer é como uma pintura. Gosto de caminhar pelas ruas e observar a vida – caiçara, como chamam.
As praias da região contam mais histórias do que possamos imaginar. Pela orla do Gonzaguinha em São Vicente, podemos ouvir a cultura se apresentando na forma de desabafo – e muitas vezes grito – com músicas de sertanejo e funk. Já na orla do Gonzaga em Santos, grupos se divertem “fritando” com eletrônico. Se você for em direção ao Canal 1, vai encontrar algumas senhoras que descem dos prédios e sentam-se à beira mar, normalmente acompanhada dos netos.
Há dias em que meu corpo está disposto e, portanto, ando na direção do sol, assim como um girassol. Caminho por todos os caminhos e vejo o quão é importante a brisa quente para os caiçaras. De carro ou no busão lotado, todo mundo dá um jeito de colocar os pés na areia seca. Gastando sete reais num pastel – um completo absurdo – ou levando a farofinha, todos aproveitam a “larica” que o mar dá.
Depois do final de semana vem a “monotonia caiçara”, traduzida em observar a praia e não poder fazer nada, exceto – quem sabe -, dar um pulinho em um quiosque quando for nove da noite.
Também existem os privilégios da beleza caiçara – fazem bem à mente e ao corpo. Um deles é voltar na segundona de trabalho com uma queimadinha de sol. Todos comentam, você precisa ver! Em menos de uma semana a pele descasca, de forma idêntica a uma cobra. A situação fica horrível, mas até que é bonitinho, pois em todas as fases da troca de pele sabemos que aquela pessoa esteve na praia – uma feiura aceitável. Além disso sou daquele ditado de tudo que troca é renovação, seja na pele ou na vida.
Agora, imagine se essa rotina não acontece e aos finais de semana a praia está um mausoléu da destruição. Confesso que ultimamente o cenário é esse. Os raios têm sido frequentes, assim como os ventos fortes. Faz semanas que a chuva está devorando as cidades da Baixada Santista – e algumas do Vale do Paraíba. Tudo sempre amanhece alagado e o transporte público está um caos.
O pobre já sofre demais com a demora dentro dos ônibus, então nesses dias, a tristeza é dupla. Inclusive, existe uma situação que acontece há meses e nada é feito – desculpe, preciso tocar neste ponto. São Vicente, uma das cidades da Baixada Santista, é dividida em duas zonas: área continental e insular. Existe uma ligação entre ambas, a Ponte dos Barreiros.
Faz meses que ela foi fechada porque apresenta pilastras danificadas e possível queda eminente. A prefeitura está tomando medidas paliativas, mas essa “ajuda” não é suficiente. O caso virou um jogo de empurra empurra, e enquanto isso os munícipes padecem. Afinal, muitos deles trabalham em Santos.
Nestes dias de chuva, após enfrentar enchentes, eles precisam atravessar a pé toda a extensão da ponte. Depois, sobem em um ônibus intermunicipal, colocam um fone no ouvido e sentem bruscamente a viagem – e desigualdade.
Alguns relatos nas redes sociais são bem aterrorizantes. Nessa jornada, muitos são picados por mosquitos e enfrentam tudo quanto é tipo de adversidade. Por isso reforço, o sol aos finais de semana pra nossa região é muito importante. Faz o ônibus lotar de gente alegre e esperançosa. Até porque, com os pés na areia e o horizonte do mar, tudo fica mais fácil de enfrentar.
A previsão é que uma chuva de até cento e cinquenta milímetros atinja a região na semana [e, de fato, atingiu]. Isto significa que é mais do que o esperado para o mês. Março deve começar com mais um evento de convergência de umidade que vai gerar grande instabilidade sobre o Sudeste e o Centro-Oste, causando novamente chuva forte e volumosa em vários locais.
Meu único apelo é que o sol volte a deixar esse povo mais feliz. Esses dias, a orla da praia me contou que anda jururu – tristérrima, para ser sincera – com saudade de gente correndo de um lado pro outro. Eu e meu coração aguardamos os dias escaldantes, para que, assim, possamos usar os chinelos nos pés. Meu coração me disse que está meio “pleyba” e tá louco por um Havaianas vermelhinho. Briguei com ele, disse que temos que tomar cuidado. Vai que nesta cidade “de direita” alguém nos agrida achando que somos comunistas – e não é que somos um pouco?
Imagem em destaque: voluntários ajudam nas buscas por desaparecidos em Guarujá. Foto: Prefeitura de Guarujá
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