Odair José fala da profética “Hibernar” e de outras pandemias

Artista participa do 1º de Maio de 2020 com muita música e despertando reflexão política também. E lembra: caos de hoje começa com o golpe contra Dilma pós-eleição de 2014.


Por Vitor Nuzzi, da Rede Brasil Atual | De São Paulo (SP)

Vou hibernar por um tempo/ Me avise quando a cena mudar/ O mundo está de ponta cabeça/ Espera ele aprumar. Os versos abrem o rock Hibernar, primeira música do 37º álbum de Odair José, lançado no ano passado. Olhando agora, do jeito que o mundo está, o próprio autor pensa em profecia, mas antes disso ele já via o mundo e as pessoas perdendo o prumo.

Rock?

Para quem conhece pouco sua obra, pode parecer estranho, mas é uma sonoridade comum para o goiano (de Morrinhos) Odair José de Araújo.

Ele cresceu ouvindo modas de viola, comuns em seu estado natal, e músicas românticas, mas começou montando um conjunto para tocar Beatles e Stones.

Aos 71 anos – completará 72 em agosto –, está chegando aos 50 anos de carreira.

Pretendia cair na estrada para celebrar, mas a pandemia alterou os planos, e há 45 dias ele não sai de casa. “Estou fazendo a minha parte como cidadão”, diz.

Mas Odair José já via certa “pandemia” acontecendo bem antes do coronavírus. Uma doença que passou a se expressar pela intolerância e desembocou em um impeachment, que ele critica.

O cantor e compositor também lamenta a eleição do atual presidente. “Foi um equívoco, que vai nos custar caro.”

Neste 1º de Maio de 2020, ao lado de vários artistas, participará da mobilização organizada pelas centrais sindicais.

Estava se preparando para cantar ao vivo, em São Paulo, mas, sem o palco, preparou alguns números que vão ao ar pelas mídias digitais. “Vamos torcer por dias melhores, porque dificuldade a gente sempre teve. Espero que as pessoas aprendam, que as pessoas se toquem, que essa situação que estamos vivendo agora seja um alerta.”

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Os versos de Hibernar parecem proféticos. Dava para imaginar que o mundo inteiro iria “hibernar”, embora por outros motivos?

Realmente, eu naquele momento estava vendo a distância um universo muito esquisito, uma coisa feia. Desde 2016, 2015, por ali, comecei a ver o mundo e principalmente o Brasil meio que de perna por ar. Descendo a ladeira, a verdade é esta. As pessoas se perdendo cada vez mais, deixando se manipular, e seguindo uma onda de pirraça, fazendo tipo uma barreira entre o bom senso e a falta dele, entendeu? O Hibernar hoje me arrepia porque ele foi profético, sim. Eu, inclusive, na virada do ano, fiz shows no Sesc Bom Retiro e eu já comentava com minha equipe: esse negócio que está rolando na China tem tudo para se espalhar pelo mundo. Isso pode virar uma coisa muito grande e sem controle. Eu escrevo sobre aquilo que vejo, sobre o que sinto, acho que sou sensível a algumas coisas e aquilo que já não ia bem, cara, ficou pior. A música, não querendo, foi uma coisa meio profética mesmo. Sem querer ser o cara da profecia.

Em uma entrevista, você chegou a dizer que o “coração da pandemia” já existia. Como assim?

Acho que a pandemia já existia pelo mundo, no Brasil, particularmente. A pandemia da hipocrisia, do egoísmo, da falta de união. Essa é a mais perigosa, essa falta de bom senso, essa coisa de não ser fraterno, de não entender que a verdade não está nem com um nem com outro, ela pode estar no meio dos dois. E culminamos no coronavírus.

O atual presidente da República já falou em “gripezinha” e outro dia disse um “E daí?” ao comentar sobre a pandemia. O que você acha do comportamento dele nessa crise?

Olha, o presidente atual do Brasil não é o meu presidente, não foi em quem eu votei, não é a pessoa que eu escolheria para administrar o meu país. Se alguém perguntar: Odair, quer pegar esse avião que está aqui na pista e levar até o Rio de Janeiro? Eu vou dizer: contrate um piloto, que eu não tenho capacidade para isso. Eu acho que o maior incompetente que sabe que não sabe fazer a coisa e se mete a fazer. Quem diz que não sabe, não dou conta, esse não é incompetente. Acho que o presidente do Brasil foi uma… Foi um equívoco, e esse equívoco vai nos custar caro, acredito eu. Não falo por um lance partidário, mas isso é uma coisa absurda… Me parece que temos um presidente que gosta ou não sabe fazer outra coisa a não ser menosprezar realidades, a não ser desconhecer fatos, não fazer a coisa sem o mínimo de bom senso. Acho absurdo essa postura de ignorar uma pandemia quando o mundo sabe que isso é sério, e se for nessa onda induz os brasileiros a ir na onda deles, como grande parte vai, e isso pode tornar a coisa bem pior do que já é.

É a favor do impeachment ou da renúncia?

Cara, quando aconteceu o impeachment da presidente Dilma Rousseff eu achei aquilo um absurdo. As pessoas têm o direito de não gostar, mas desde quando ela ganhou a reeleição, contra o Aécio Neves, as pessoas não aceitaram. E ali quando eu comecei a ver o mundo de pernas pro ar a partir dali, ficou uma coisa meio “vamos tirar na marra”, sabe? E a presidente Dilma nem deu motivos pra isso, foi apenas uma questão de não saber perder, de não aceitar. Tinha coisa errada? Errado sempre tem. Agora, com respeito ao presidente atual, acho que ele nem devia estar eleito, não sei como esse cara foi eleito. Com todo o respeito, como eu já disse antes, qualquer cidadão pode pleitear, mas você tem que ter competência para aquilo que está pleiteando. Acho que ele não vai renunciar, não é do feitio dele, penso eu. As mesmas pessoas que já estão lá foram as que tiraram a presidente Dilma, né? Neguinho sabe que fez errado, eles fizeram isso, eles colocaram ele lá de uma certa forma. Acho também que com uma manipulação de uma mídia específica ele chegou ao poder. Agora, impeachment ou renúncia, acho que nenhuma das coisas vai acontecer. Vamos torcer para que a gente sobreviva até 2022. Mas se acontecer o contrário, vamos juntos.

Você já participou de algum 1º de Maio? O deste ano vai ser um pouco diferente, por causa da pandemia. O que pretende apresentar?

Já participei, sim, de vários, o último foi em Brasília. Neste momento estou até usando uma camisa que ganhei lá dos professores. Este ano já gravei três vídeos cantando e falando. Tinha a possibilidade de tocar em São Paulo neste 1º de Maio, mas infelizmente não vai rolar. Desde já, deixo um grande abraço para os trabalhadores do Brasil e do mundo. Vamos torcer por dias melhores, porque dificuldade a gente sempre teve. Com esperança a gente consegue vencê-las.

O que você tem feito nesse período? Como faz para manter o corpo e a cabeça saudáveis com o isolamento forçado? Se exercita, lê, ouve música?

Estou há exatamente 45 dias em casa. Estou respeitando as normas que a Organização Mundial da Saúde, que a ciência diz para você ter. Estou fazendo a minha parte como cidadão. Aqui onde eu moro, tenho graças a Deus bastante espaço, estou procurando me movimentar fisicamente, para o corpo não ficar sedentário, até porque na minha idade não é bom. E tenho tocado, sempre gostei de tocar, me exercito bastante, gosto de fazer música, ainda que música que vão ser gravadas. É a forma que eu tenho de me expressar, e é assim que estou vivendo este meu momento.

Está com saudade do palco?

Eu estava começando um projeto dos meus 50 anos, dando o pontapé inicial. Tinha várias coisas marcadas. E a coisa aí foi suspensa. E estou com saudade, sim. Estou há muitos anos no palco. Antes disso (disco) eu já tocava, estou no palco desde os 14 anos, comecei a tocar com 7, é o que eu fiz a vida inteira, é o meu instrumento, é minha carteira de trabalho, fazer música, tocar guitarra. Gosto das pessoas, gosto do palco. Não tem uma previsão de volta. Espero que apareça aí um anti-viral, tomara que dê certo.

Para citar outra música sua (a terceira faixa do novo disco), está ouvindo bastante rádio?

Sempre escuto rádio. Sou uma pessoa que tem rádio no meu nome: Odair, se você só usar as letras, dá rádio. Tenho minha vida ligada ao rádio, aprendi a gostar de música através de rádio, de Luiz Gonzaga a Beatles. É uma boa companhia, é um ponto de informação, será que uma coisa que vai junto, eternamente, na minha vida.

Está otimista em relação ao mundo que teremos depois que tudo isso passar?

Eu sempre fui uma pessoa otimista. Sempre soube que dificuldades existem. Sempre tive dificuldade, estou andando pelo mundo desde muito cedo, estou desde meus 14 anos andando por aí, tocando, conheço o Brasil de ponta a ponta, de lugar a lugar. Sou de uma época em que as dificuldades de locomoção era bem maiores, e eu ia. Conheço o Brasil mais que a palma da minha mão, porque não olho tanto pra ela como olhei para o Brasil. Espero que as pessoas aprendam, que as pessoas se toquem, que essa situação que estamos vivendo agora seja um alerta para as pessoas. Porque é também por isso que ela está aí. Não é uma profecia, mas é para as pessoas se tocarem. De repente, nós temos que ser mais fraternos, mais filantrópicos, mais caridosos, menos egoístas. Eu espero que, ao passar tudo isso, passar este momento difícil, estas várias pandemias, inclusive a do coronavírus, que eu tenho certeza que a ciência vai achar um jeito pra isso, a gente possa voltar melhor.

São 50 anos de estrada. Pouca gente atinge essa marca. Muito chão percorrido e certamente muito a percorrer. O que você pensa quando olha para o que já fez e o que pode fazer ainda?

Olha, é verdade, estes 50 anos… É um bom tempo. Não pensei que fosse tão longe… Mas estou aqui. Gravei meu primeiro disco em final de 1969 pra 70, tinha 21 anos, por aí. Olho pra trás, vejo que fiz muita coisa certa e também muitas coisas erradas. Em determinado momento fiquei frágil, fiquei descuidado com meu trabalho, mas sempre tentei fazer com que o meu trabalho fosse relevante. E hoje olhando coisas que eu fiz, elas foram relevantes. E no tempo que eu tenho pela frente, espero errar menos e acertar mais. Mas sou muito agradecido por tudo.

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Imagem em destaque: Odair José, em foto de Vinicius Denadi


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