Empresa do povo brasileiro, lucrativa, está sendo desacreditada pelo governo para favorecer privatização, advertem especialistas
Por Marina Duarte de Souza, do Brasil de Fato | São Paulo (SP)
Enquanto os trabalhadores e trabalhadoras dos Correios seguem em greve por garantia de direitos, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) avança com a privatização da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) em meio à pandemia do novo coronavírus.
Mas, a quem interessa a entrega da estatal?
Responsável pela logística de entrega das mercadorias, os Correios desempenham uma atividade importante para a sociedade como um todo, mas especialmente para o setor de comércio eletrônico.
A movimentação do governo acendeu o interesse em nomes de peso desse segmento de mercado como a estadunidense Amazon, a chinesa Alibaba e a argentina Mercado Livre.
“Por parte das empresas que estão tanto no mercado de entregas, a UPS dos Estados Unidos já manifestou interesse, quanto para as empresas que são gigantes do comércio eletrônico, como é o caso da Amazon, que domina hoje mais ou menos 50% é a maior do mundo, e a Alibaba, que é a principal empresa de comércio eletrônico na China”, analisa o doutor em sociologia da tecnologia, pesquisador e professor da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (UnB), Jonas Valente.
A união da Amazon e Alibaba para a compra dos Correios são especuladas pela imprensa nacional desde o passado e o portal E-commerce apontou nesta terça-feira (dia 1) que a argentina Mercado Livre, que teve grande crescimento durante a pandemia, também já demonstrou interesse em comprar os Correios.
Segundo a Federação Nacional dos Trabalhdores em Empresas de Correios e Telégrafos e Similares (Fentect), os dados dos Correios mostram que, só no ano passado, 48% da receita corresponde ao monopólio postal de envio de cartas e os outros 52% a entrega de encomendas, aberta à livre concorrência.
Além das lojas varejistas, o mercado brasileiro de comércio eletrônico é comandado atualmente pelo Mercado Livre, Magazine Luiza, Via Varejo, responsável pelas redes de lojas Casas Bahia, Pontofrio e B2W, que é a fusão das Americanas e Submarino.
Valente também ressalta que, com a vantagem de poder entrar no país pelos Correios, “todas essas empresas brasileiras estariam em risco caso uma gigante norte-americana ou chinesa viesse competir vendendo os mesmos produtos”.
Embora o argumento da direção da estatal para o corte de 70 dos 79 pontos do acordo coletivo seja a crise econômica e a sustentabilidade da empresa, na semana passada o governo fechou um estudo para a privatização dos serviços postais por R$ 7,89 milhões, segundo o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
O consórcio selecionado foi o Postar formado por Accenture do Brasil Ltda e Machado, Meyer, Sendacz, Opice e Falcão Advogados.
De acordo com o Ministério da Economia, a previsão é de que os estudos “tenham início imediatamente e que a primeira fase seja entregue até o final deste ano”.
A alteração na Constituição, que define o serviço postal de cartas como dever do Estado e que deve ser enviada para o Congresso, também está em estudo pela pasta.
IRRESPONSABILIDADE
O professor do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp), Marco Antônio Rocha considera uma “irresponsabilidade imensa” o governo tentar promover uma privatização dos Correios nesse momento de pandemia no país.
Para o economista a administração federal está induzindo a greve dos trabalhadores com o corte unilateral dos direitos no acordo coletivo para criar um constrangimento da população em relação a esse serviço.
“O governo criar um conflito com os trabalhadores dos Correios e da Caixa Econômica Federal em meio à pandemia, onde a gente está precisando muito dessas instituições, é de uma irresponsabilidade imensa”, avalia.
USO DE DADOS PESSOAIS
A compra da estatal pode trazer também um acesso a informações de bilhões de cidadãos brasileiros hoje exclusivo dos Correios, alerta Valente.
A lógica de empresas como Amazon é utilizar o máximo de dados que consegue coletar para ofertar cada vez mais serviços.
“Se a Amazon comprar os Correios, terá muito mais dados sobre as pessoas, como endereços e correspondências. Certamente estes dados serão utilizados pela empresa para turbinar seus outros serviços”, explica.
Ele também aponta que a compra pela Amazon representa um grande risco de uso indevido desses informações. Nos Estados Unidos, a empresa já foi investigada por práticas predatórias de dados.
OLIGOPÓLIO DE MULTINACIONAIS
O economista Marco Antônio Rocha alerta que a venda da infraestrutura dos Correios “não é uma regulação do setor” e não deve gerar um ambiente competitivo.
Pelo contrário, pode representar um oligopólio no segmento de postais e encomendas no Brasil, em que há tem três, quatro grandes empresas que dominam o poder de mercado, o que considera “muito pior” do que parte do monopólio estar com a estatal.
O especialista relembra o exemplo da venda da empresa brasileira de telefonia, em que houve uma quebra do monopólio estatal que não resultou em aumento da concorrência no setor que beneficiasse o consumidor, pois o segmento passou a ser controlado por três empresas com grande poder de mercado.
“Deixou o consumidor numa situação difícil em relação à troca dessas empresas. É possível migrar de uma empresa para outra, mas há um leque muito pequeno de opções e, no fundo, todas tem o mesmo problema, todas são campeãs de reclamações no Procon” afirma Rocha.
Imagem em destaque: sede dos Correios, em Brasília. Foto de divulgação
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