Caminhando para completar 12 anos, projeto da jornalista Tania Regina Pinto amplia equipe, propostas, alcance e conteúdos
Por Wagner de Alcântara Aragão (@waasantista) | De Santos (SP) e Curitiba (PR)
O foco é o pioneirismo do povo negro.
A frase estampada no cabeçalho da página inicial de <primeirosnegros.com> resume com precisão o projeto.
No ar desde 8 de maio de 2009, como um blog, o “Primeiros Negros” entra em contagem regressiva para o 12º ano de vida, ampliando horizontes.
Agora em outubro de 2020, o blog está se transformando em um site, com muita informação.
Também busca novos integrantes.
E desenvolver mais iniciativas.
“O projeto que começou como blog hoje está se transformando em uma plataforma de pesquisa, inspiração e autoafirmação”, anuncia Primeiros Negros, em seu perfil no instagram.
A idealizadora do Primeiros Negros é, ela própria, uma pioneira negra.
Tania Regina Pinto, 63 anos, é jornalista e educomunicadora.
Primeira repórter e editora do suplemento feminino do jornal O Estado de S. Paulo.
“Comigo na redação, o encarte, dirigido à classe média alta, depois de 37 anos, passou a ter pessoas negras nas capas e nas reportagens. Eram os anos 1990!”, conta ela.
Atualmente, Tania Regina Pinto assina a coluna “Vozes Pretas”, no Juicy Santos.
É o primeiro espaço na imprensa do litoral paulista voltado essencialmente à questão racial, protagonizado por uma profissional negra.
- No nosso twitter – @redemacuco – compartilhamos, semanalmente, os artigos de Tania Regina Pinto no Juicy Santos
Desde agosto, Tania – com o filho, Pedro Otavio Cardamone Pinto Cordeiro, o DJ Adalu, que também é designer; e a companheira do filho, Fernanda Venturini (curadora de conteúdo e produtora executiva) – iniciou essa nova era do Primeiros Negros.
Conversamos com Tania e Pedro, que explicaram sobre o projeto.
Vamos por tópicos:
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IDEIA DO BLOG
Tania relembra que, com mais de 30 anos de profissão, depois de ter atuado em redação de jornal, migrou para comunicação estratégica. Passou a sentir falta, no entanto, de produções mais autorais.
Era o apogeu da blogosfera, então o caminho natural foi pensar num blog.
“Veio a ideia do pioneirismo negro. Era para meu prazer de escrever, sem ter ninguém para alterar sentido do que eu estava querendo dizer.”
Em 8 de maio de 2009, colocou o Primeiros Negros no ar. Era, como chama, um “slow blog”, porque o processo de produção de conteúdo não seguia ritmo e prazos frenéticos.
A partir de fatos, acontecimentos, eventos ou efemérides ia em busca de pessoas negras pioneiras: apurava, escrevia e compartilhava.
Sem se dar conta, tornou-se referência.
“Participando de um evento, me surpreendi quando fui reconhecida como ‘a blogueira do Primeiros Negros’.”
PASSO ADIANTE
O blog passava de 250 mil visualizações, nacionais e internacionais, sempre recebendo contatos, sugestões.
“Era meu filho e amigos sempre comentando, mandando dicas. Fui percebendo a importância, a influência do quanto repercutia nas pessoas. Não tinha essa dimensão.”
Aposentou-se como jornalista, mudou-se da capital para Santos.
Chegou a pandemia, que expôs mazelas sociais, entre elas o racismo estrutural, simbolizado no caso George Floyd, nos Estados Unidos, que reverberou atos que se espalharam pelo mundo.
“Veio o convite da Flávia [Saad, editora do Juicy Santos], e desde julho mantenho a coluna Vozes Pretas. Comecei a fazer nova imersão na questão racial. Sempre exerci a militância, mas sozinha. Descobri nova energia, novo olhar.”
NOVO PROJETO
Agora, define (e com muita satisfação): é um projeto “de mãe e filho”. “Tive meu filho com 37 anos. Não imaginei que um dia estaríamos num mesmo projeto. Minha nora também está envolvida”.
“É uma inovação, um ressignificar as coisas”, acrescenta.
Além do conteúdo jornalístico, Primeiros Negros terá outras frentes. Inclusive, projetos para serem contemplados com editais de fomento à cultura, por exemplo.
“No site vai ter também um espaço chamado ‘Sem Mordaça’. Será nosso lugar de opinião, de fala, escancarado, de boca no trombone mesmo. Opinião forte, sobre o ser negro no Brasl.”
Essa seção vai reunir várias formas de expressão.
“Pode ser uma poesia, uma letra de música, trechos de livro…”, ilustra Tania.
DAQUI PARA FRENTE
Para falar sobre as próximas etapas, Tania chama o filho Pedro à conversa.
Ele ressalta: “queremos estimular novos pioneirismos. Precisamos de referências”.
O que não é fácil, sublinha, dado o racismo estrutural na sociedade brasileira, inclusive.
A migração do blog para site está pronta. Reorganização das informações; imagens e identidade visual foram trabalhos feitos nos últimos meses.
A fase, neste momento, é de chamadas públicas para que mais gente passe a colaborar com o projeto.
“Queremos incentivar novos pioneirismos, a partir do registro [de pioneirismos outros]. Informação é poder”, salienta Pedro.
Auxiliar viabilizando infraestrutura e recursos para iniciativas negras é uma das atribuições assumidas.
“Para 2021, queremos inscrever projetos [em editais] para captação de recursos. Potencializar recursos para coisas que nos fortaleçam como povo.”
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Tania foi reconhecida como a “blogueira dos Primeiros Negros” porque a iniciativa já dava contribuições fundamentais para que conhecêssemos mais sobre pioneirismos da população negra, no Brasil e no mundo.
E as descobertas derivavam, muitas vezes, de experiências pessoais.
Por exemplo, quando há oito anos Tania teve um câncer de mama, e foi atrás de saber quem seria a pioneira negra na oncologia.
Descobriu Jane Cooke Wright, que em 1949 desenvolveu métodos de quimioterapia e abordagens múltiplas no tratamento.
NA POLÍTICA
Na política brasileira, encontrou Antonieta de Barros, “primeira negra a assumir um mandato popular no Brasil [em Santa Catarina], de deputada estadual, e primeira a presidir uma Assembleia Legislativa”.
Ela cumpriu mandato até 1951 e, desde então, Santa Catarina nunca mais contou uma parlamentar negra.
Tania constatou também que, embora Alceu Colares seja, até hoje, o primeiro (e único) governador negro eleito de Rio Grande do Sul (1991-1995), o Executivo daquele Estado já tinha sido ocupado, ainda que temporariamente, por um negro, no final dos anos 1960: o deputado estadual Carlos Santos, então presidente da Assembleia Legislativa, que assumiu a governadoria, em exercício, quando de viagem do titular.
IR À JUSTIÇA
A jornalista destaca ainda dois casos em que, mesmo eleitos pelo voto popular, políticos negros quase foram impedidos de exercerem seus mandatos.
Um deles é o quilombola Quintino de Lacerda, chefe do segundo maior quilombo do Brasil, o Jabaquara, em Santos, terceiro mais votado para a Câmara Municipal, em 1895. “Só tomou posse depois de ir à Justiça”, frisa Tania.
Quintino de Lacerda não só se tornou vereador como presidiu o Legislativo de Santos.
O outro é o jurista pernambucano Manoel da Motta Monteiro Lopes, primeiro deputado federal negro eleito no Brasil.
Entretanto, também teve cerceado seu direito à diplomação e, por tabela, ao exercício do mandato, na então capital federal, Rio de Janeiro.
“Ninguém acreditava que fosse vencer. Venceu e foi terceiro mais votado, mas não queriam deixar tomar posse. Fez articulação nacional, até que conseguiu assumir o mandato”, resume Tania.
A CAMINHO DE 200 NOMES
Já são em torno de 180 pioneirismos negros encontrados, calcula a jornalista.
“Nessa garimpada acabo percebendo que sempre se fez de tudo para nos apagar. Então [a história do povo negro] está oculta de um milhão de maneiras.”
Isso leva a alguns equívocos se consolidarem, adverte.
Por exemplo, cita Tania, se difundiu a informação de que a atual candidata a vice-presidência dos Estados Unidos, Kamala Harris (chapa de Joe Biden), é a primeira negra a concorre nesse posto. “Não é. Angela Davis foi a candidata a vice [em 1980 e 1984].”
Outros casos: Laélia de Alcântara, do Acre, nos anos 1980, como primeira senadora negra no Brasil (sempre se contou que Benedita da Silva tinha sido a primeira); o já citado Monteiro Lopes, e não Abdias Nascimento, como primeiro deputado federal negro.
E, no Supremo Tribunal Federal, muito antes de Joaquim Barbosa, os juristas Pedro Lessa (1907) e Hermenegildo Rodrigues de Barros (nos anos 1930) vieram antes.
“A gente vai tentando construir histórias, derrubar barreiras, confrontar o racismo. Nesse mundo a gente está para compartilhar conhecimento, trocar saberes”, afirma Tania, sintetizando o propósito do Primeiros Negros.
Imagem em destaque: uma das artes de divulgação do Primeiros Negros
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