Derivado da rapadura, item produzido em comunidade rural de Jaboticatubas mantém famílias em atividade no campo
Por Sarah Fernandes, do Brasil de Fato | De São Paulo (SP)
Durante o período colonial, ele foi o principal produto da economia do país, exportado em toneladas pela Coroa portuguesa para a Europa.
Foi um processo de séculos, que enriqueceu senhores de engenho, concentrou de terras e ajudou a fortalecer a monocultura e o trabalho baseado em mão de obra escravizada, toda uma estrutura que têm impactos para a nossa sociedade ainda hoje.
Mas não é só pela organização social e econômica que a história do açúcar continua viva no Brasil.
O modo de preparo tradicional, que chegam a lembrar processos de antigos engenhos, ainda é uma realidade em algumas comunidades rurais do Nordeste e do Sudeste do país.
Nelas se produz o chamado açúcar purgado, um subproduto da rapadura, que é mais rústico, menos doce e mais saudável que os convencionais açúcares refinados, produzidos por grandes empresas alimentícias.
AGRICULTURA FAMILIAR
O preparo desse alimento foi passado de geração em geração e hoje ajuda a garantir renda para agricultores familiares durante o período de safra da cana-de-açúcar, comum entre maio e setembro.
Um deles é o agricultor Dazio Lopes, o Dazinho, que junto com a esposa produz e vende o açúcar purgado na comunidade rural do Rio Vermelho, no município de Jaboticatubas, em Minas Gerais.
Ele foi incentivado a retomar a prática pelos colegas de uma feira agroecológica da qual participa.
“Quando eu era criança, lembro dos meus pais fazendo, mas depois eles pararam. Como eu faço parte da feirinha Raiz do Campo, o pessoal me incentivou a voltar a fazer e de uns três anos para cá voltei a produzir”, conta.
“Nós vendemos para o grupo da feira, para o pessoal da comunidade e para as pessoas que visitam a gente, que também nos ajudam a divulgação. Ele pode ser usado em café, doces, sucos, biscoitos… Tudo o que faz com o açúcar refinado pode fazer com o purgado”, acrescenta o agricultor.
Hoje, esse ingrediente tão tradicional vem conquistando o paladar e a cozinha de chefs, como o da historiadora e chef Juliana Duarte, que trabalha no restaurante Cozinha Santo Antônio, em Belo Horizonte.
Pelo menos 80% dos produtos utilizados no restaurante vêm da agricultura familiar, inclusive o açúcar comprado direto dos produtores de Jabuticatubas.
“Eu conheci o açúcar purgado antes de poder provar. Eu li sobre ele em um documento o século 18, chamado Códice Costa Matoso, que reúne uma série de documentos da época”, conta Juliana.
MAIS SABOROSO, MAIS CHEIROSO
Ainda de acordo com a chef, é um açúcar que, além de saboroso, é muito aromático, “com aroma gostoso de melado de cana. É um produto muito especial, não pelo sabor mas pela história que carrega. Eu uso para fazer molhos, caldas e também para adoçar o cafezinho em momentos especiais”, destaca.
O processo de preparo do açúcar purgado é totalmente artesanal e demora pelo menos 15 dias para ficar pronto, seguindo um processo de pautado no respeito a natureza e aos pequenos agricultores.
Primeiro é preciso colher a cana, cortá-la, lavá-la muito bem e transformá-la em caldo. Depois ele é cozido em tachos até virar um melaço que vai para o processo de purga.
“O açúcar purgado é feito do melado, retirado um ponto antes de virar rapadura. A gente coloca ele em um caixote de madeira para esfriar, por dois ou três dias. Quando começa a engrossar, passamos para uma caixa forrada, para ir escorrendo. Ele vai escorrendo por uns 15 dias e vai se formando o açúcar por cima. Ele fica tampado com uma tela, mas antigamente o pessoal colocava uma camada de barro ou de terra de formigueiro. Na hora que termina de escorrer, retiramos e deixamos secar no sol por mais um dia”, conta Dazinho.
MAIS SAUDÁVEL
O açúcar purgado é, inclusive, uma opção mais saudável que o açúcar refinado, mas atenção: qualquer tipo de açúcar deve ser consumido com ressalvas, como reforça a nutricionista Etel Matielo, que também é cozinheira, educadora popular e integrante do coletivo de saúde do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
“Qualquer tipo de açúcar deve ser usado de forma moderada. Se a opção for por um açúcar menos refinado, ele será mais saudável, porque não passa por tanto processos químicos quanto o refinado e tem um pouco menos de calorias. Quanto mais artesanal, mais vai manter vitaminas e minerais próprios da cana-de-açúcar, que é rica em ferro e vitamina C”, diz.
VIÁVEL PARA PEQUENOS AGRICULTORES
Matielo lembra que outra vantagem é que os açúcares menos refinados são produzidos por pequenos agricultores, comunidades quilombolas, acampamentos da reforma agraria, produtores agroecológicos e permacultores, em uma base social e ecológica mais justa e solidária.
É exatamente esse modelo de produção que a produção de açúcar purgado ajuda a manter, garantindo o sustento de famílias e ajudando a preservar a cultura do país.
Imagem em destaque: açúcar purgado (colher à direita). Foto do Brasil de Fato
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