José Saramago: o escritor que esculpiu o reflexo da sociedade, define historiadora

No centenário do autor, diretora técnica do Museu da Língua Portuguesa, Marília Bonas, explica legado e atividades comemorativas


Por Lucas Weber, do Brasil de Fato | De São Paulo (SP)

“Não tenho, a bem dizer, mais voz que a voz que elas tiverem.”

Termina assim o discurso de José Saramago ao receber o Nobel de Literatura em 1998.

O escritor português, que em 16 de novembro último completaria 100 anos, referia-se às personagens de suas obras, que teriam mais voz que o próprio autor delas.

“O mundo de Saramago é um reflexo esculpido do que há de melhor e mais complexo na sociedade”, resume a historiadora Marília Bonas, diretora-técnica do Museu da Língua Portuguesa.

O espaço foi palco de diversas homenagens ao centenário do escritor ao longo deste ano.

A programação foi elaborada em parceria com a presidenta da Fundação José Saramago, Pilar del Rio, que foi a esposa do escritor desde 1988, até a morte dele, em 2010.

Uma das ações foi a instalação em referência a obra “Conto da Ilha Desconhecida”, publicada em 1997.

A estrutura montada no Museu foi destinada às crianças, mas também aberta para os adultos.

“Nosso objetivo era provocar as pessoas a instigar o imaginário, o sonhar: como você buscaria uma ilha desconhecida?”, explica Marília Bonas.

PRÊMIO CAMÕES

Fora o prêmio Nobel, Saramago também foi contemplado em 1995 com o Prêmio Camões, o mais importante da língua portuguesa.

Além destes, foram mais de 15 premiações garantidas ao escritor.

CENTENÁRIO

Nascido em 16 de novembro de 1922 na vila de Azinhaga, no concelho da Golegã, em Portugal, Saramago se mudou com a família para a capital do país, Lisboa, logo aos dois anos de idade, em 1924.

As dificuldades econômicas da família impossibilitaram que ele entrasse regularmente na escola.

Por conta disso, acabou ingressando em um curso técnico e teve o seu primeiro emprego como serralheiro mecânico.

PAIXÃO PELA ESCRITA

A paixão pela escrita estava escondida, mas não demoraria a aparecer.

Aos 25 anos, publicou o primeiro romance, Terra do Pecado (1947), no mesmo ano de nascimento da sua filha, Violante dos Reis Saramago.

O início pareceu próspero, mas, na verdade, o escritor ficaria quase 20 anos sem publicar.

Neste tempo, Saramago não esteve longe dos livros. Trabalhou por 12 anos exercendo funções de direção literária e produção, trabalhando, em paralelo, com traduções.

COMUNISTA

A publicação do seu segundo livro, Os poemas possíveis (1966), precedeu outra ação que marcaria sua carreira, a filiação ao Partido Comunista Português, em 1969.

“O posicionamento político dele está presente em tudo de sua  literatura”, argumenta Marília Bonas.

As relações sociais do escritor não escondiam isso.

No Brasil, Saramago sempre esteve próximo ao fotógrafo Sebastião Salgado e ao músico Chico Buarque.

ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA

Considerada a sua obra mais famosa, Ensaio Sobre a Cegueira foi publicado em 1995.

Quase 20 anos após a publicação, a obra ganhou um novo significado por conta da pandemia de covid-19.

No livro, uma doença altamente transmissível atinge a população mundial, cegando todas as pessoas atingidas. Além da ligação direta com o vírus da covid, as comparações foram além.

“Acho que tem muitos paralelos, um deles é como o negacionismo aparece no livro e apareceu na vida real. Ou até uma comparação como o negacionismo é um tipo de cegueira”, começa a explicar a historiadora Marília Bonas.

“Mas podemos falar como as mulheres são afetadas no livro e também em outros grupos específicos. Acho que tudo se relaciona no entendimento de necropolítica, sobre essa compreensão de que ‘tudo bem alguns morrerem em nome de outros’. É essa política de morte de relativizar a morte que está presente no livro e apareceu durante a pandemia”.

Ensaio Sobre a Cegueira virou filme nas mãos do diretor Fernando Meirelles, em 2008.


Imagem em destaque: José Saramago, em foto de divulgação da Companhia das Letras




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