Descuidar dos pais tem nome – abandono afetivo inverso – e é passível de responsabilização

Apesar de vácuo legal e de escassez de jurisprudência, filhos podem ser condenados civilmente; projetos no Congresso tratam do tema


Da Rede Macuco | De Curitiba (PR) e Santos (SP)

É de entendimento bastante difundido que abandonar filhos menores de idade implica, aos pais, punições jurídicas.

Mas, e quando o que ocorre é o contrário, isto é, filhos, já maiores, desamparando seus pais na velhice?

Isso tem nome – abandono afetivo inverso – e é passível de responsabilização também.

É o que aponta pesquisa acadêmica realizada pela então graduanda em Direito Ana Clara Silva de Alcântara, agora advogada, sob orientação da professora Fernanda Oliveira Santos, da Universidade Tiradentes (Unit), Campus Itabaiana, Sergipe.

Apesar de vácuo legal e de escassez de jurisprudência (é dizer: de poucos casos representativos julgados), o abandono afetivo inverso pode sim resultar em punições.

RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL

O trabalho, transformado em artigo científico de conclusão de curso, focou na responsabilização civil – e não na criminal.

Responsabilização civil é aquela relacionada a obrigatoriedade de arcar com indenizações, para reparar algum dano.

Apesar da complexidade de se medir e mensurar um abandono de afeto, há deveres expressos em lei para com as pessoas idosas. E o não cumprimento de tais deveres leva a abandonos de ordem afetiva.

Em seu texto, Ana Clara argumenta:

“É indubitável que não se pode mensurar o afeto, nem tampouco é possível exigir o cumprimento pleno do ‘amor’ de um filho por um pai, apesar dos deveres de cuidado e zelo exigíveis no ordenamento jurídico brasileiro. Por isso, o instituto da responsabilidade civil tem por finalidade disponibilizar à pessoa idosa uma ferramenta de defesa dos seus direitos violados, como uma forma de compensar a angústia, a dor, o sofrimento, a humilhação, a tristeza e todo o mal sofrido.”

Desse modo, “a responsabilidade civil é largamente aceita pela doutrina”, afirma a advogada.

O Estatuto do Idoso (lei federal 10.741/2003) é o dispositivo legal que baliza tal responsabilidade.

DANOS MORAIS

Na prática, é dizer que o abandono afetivo ao idoso pode assegurar a este o direito a pedir indenização por danos morais. “Já existem decisões judiciais que reconhecem o abandono afetivo nas relações familiares”, constata o estudo.

Em seu texto, Ana Clara sublinha que a indenização por danos morais “não busca atribuir um valor
monetário ou impor ao afeto”.

O propósito, acrescenta a pesquisadora, “é pedagógico, visando reforçar a responsabilidade da família em prestar assistência e conscientizá-la sobre seu dever de promover o convívio com o idoso”.

VAZIO LEGAL

O trabalho avalia, no entanto, que o abandono afetivo inverso ainda carece de uma normativa legal mais específica.

Nesse sentido, três projetos de lei – dois no Senado e um na Câmara dos Deputados – foram identificados pelo estudo como iniciativas que buscam preencher esse hiato.

Os projetos são:

PL 4229/2019, do então senador Lasier Matins (RS). Ver aqui na íntegra e tramitação.
PL 4438/2021, da então senadora Simone Tebet (MS).  Ver aqui na íntegra e tramitação.
PL 3145/2015, do deputado federal Vicentinho Júnior (PT). Ver aqui na íntegra e tramitação.

Para a autora do estudo, as três propostas se põem importantes para combater o abandono afetivo inverso.

“Sendo aprovadas e sancionadas”, diz Ana Clara, “exercerão grande ferramenta de política pública de enfrentamento a violência e desamparo ao idoso, promovendo uma cultura de respeito e cuidado com o idoso, que não se restringe a um aspecto punitivo, mas também buscam educar e conscientizar a sociedade sobre a importância de preservar a dignidade e os direitos da pessoa idosa”.

Diante do envelhecimento da população brasileira, o assunto merece atenção prioritária.

“Apesar do aumento do número de idosos verifica-se que a sociedade não está preparada para acolher e fornecer o tratamento adequado ao idoso, em especial no aspecto emocional”, adverte Ana Clara.


Imagem em destaque: foto ilustrativa, por Helena Pontes, da Agência IBGE Notícias




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