Apostas esportivas, as bets, prejudicam a vida dos mais pobres

Orçamento familiar das classes D e E está sendo comprometido pelos gastos com esse tipo de jogo, constata estudo da consultoria  PwC Strategy& do Brasil. Isso sem falar no impacto à saúde mental


Por Gilberto Costa, repórter da Agência Brasil | De Brasília (DF)

O gasto com apostas esportivas em plataformas online, as bets, está impactando o consumo de mercadorias e serviços, sobretudo das classes socioeconômicas de menor poder aquisitivo.

A avaliação é da empresa PwC Strategy& do Brasil Consultoria Empresarial Ltda, ligada à multinacional de auditoria e assessoria PricewaterhouseCoopers.

Esse comprometimento do orçamento familiar, que atinge principalmente as classes D e E, está inclusive afetando a percepção da melhoria da economia brasileira, como o aumento da renda, do crescimento do emprego e o controle inflacionário.

De acordo com o economista e advogado Gerson Charchat, sócio e líder da Strategy& do Brasil, os gastos com apostas esportivas “já superam outros tipos de despesas discricionárias, como lazer, cultura e produtos pessoais”.

O analista alerta: tal gasto gasto está começando a impactar até o orçamento destinado à alimentação.

“Esse desvio de recursos para as apostas exerce uma pressão considerável sobre a demanda por produtos essenciais, afetando a dinâmica da economia de forma geral.”

GASTOS COM APOSTAS DISPARARAM

As apostas esportivas em plataformas explodiram no Brasil após a Lei nº 13.756 ser aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo então presidente Michel Temer no final de 2018.

Daquele ano a 2023, os gastos com apostas aumentaram 419%.

“Em 2018, as apostas representavam 0,27% do orçamento familiar da classe D e E; hoje, esse percentual saltou para 1,98%, quase quatro vezes mais do que há cinco anos”, conta Charchat em entrevista para a Agência Brasil.

Por outro lado, continua ele, “os gastos com lazer e cultura diminuíram de 1,7% para 1,5% do orçamento, enquanto os gastos com alimentação se mantiveram estáveis”.

ENDIVIDAMENTO

O especialista adverte que as apostas esportivas cresceram de forma expressiva e se tornaram uma fonte de gastos significativa, especialmente entre os jovens dos estratos sociais de menor poder aquisitivo.

“O fenômeno pode gerar, inclusive, um aumento no endividamento entre a população de baixa renda, o que pode trazer impactos negativos para o crescimento econômico do país”, salienta.

MERCADO NADA TRANSPARENTE

Não há informação precisa sobre o número de empresas que administrem plataformas no Brasil e nem o volume de dinheiro arrecadado no negócio.

Esses números só serão conhecidos após as bets obterem autorização do Ministério da Fazenda para exploração comercial da modalidade lotérica de apostas de quota fixa, e começarem a arrecadar tributos.

PREJUÍZOS À ECONOMIA

Os impactos e efeitos sobre a economia já haviam sido apontados pela Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC).

Segundo pesquisa de opinião feita para a entidade em maio, entre os que apostam, 64% reconhecem que utilizam parte da renda principal para tentar a sorte; 63% afirmam que tiveram parte da sua renda comprometida com as apostas online; e 23% deixou de comprar roupa, 19% itens de mercado, 14% produtos de higiene e beleza, 11% cuidados com saúde e medicações.

SAÚDE MENTAL

Para a economista Ione Amorim, consultora do programa de serviços financeiros do Instituto de Defesa de Consumidores (Idec), “o problema escalou” e além da dimensão econômica, há erros na regulamentação, efeitos sociais e na saúde mental da população não estimados.

“Hoje a gente já tem uma realidade de suicídio, de destruição de lares, de endividamento, de pessoas que já perderam o emprego porque já envolveram tudo que tinham”, observa a economista.

A profissional acrescenta: “[Um realidade] de doenças mentais extremamente graves por conta dessas dependências, que leva a outra, quer dizer: a pessoa se endividou, e se perdeu, vai do jogo para o álcool, do álcool para as drogas e para o suicídio”.

POBRES MAIS VULNERÁVEIS

Na avaliação da economista, a situação social e a desinformação tornam o público mais pobre mais vulnerável a correr riscos em apostas.

“Nós temos uma população com baixo nível de educação financeira. As pessoas já têm dificuldade de lidar com a sua realidade, de gastar dentro dos seus ganhos.”

Para ela, a situação socioeconômica de algumas famílias leva ao endividamento para garantir a sobrevivência, e as apostas se tornam um risco atrativo para, ocasionalmente, obter recursos e quitar compromissos.

GANHO SUPOSTAMENTE FÁCIL

Mas, segundo Ione é preciso estar atento: “o ganho fácil vai levar a pessoa a um ambiente onde pode haver perdas significativas”, ressalta a economista que também assinala que as apostas são intermediadas por sistemas com algoritmos.

“A pessoa está jogando contra uma máquina que foi programada. Então, ela vai ganhar eventualmente, mas vai perder muito mais do que vai ganhar.”

PROJETO DE LEI PIORA A SITUAÇÃO

Ione Amorim acrescenta que os efeitos econômicos, sociais e de saúde mental ocasionados pelas plataformas eletrônicas de apostas esportivas em plataformas online podem ser potencializados com a aprovação do Projeto de Lei nº 2.234/2022, em tramitação no Senado.

Tal projeto autoriza a exploração em todo o território nacional de cassinos, bingos, jogo do bicho e aposta em corridas de cavalo.

A aprovação do PL, assim como da lei que autorizou as apostas nas bets, é defendida pela possibilidade de que os negócios gerem emprego, renda e tributos que podem custear políticas sociais. No caso das plataformas eletrônicas, em funcionamento há cinco anos, nenhum real foi arrecadado.


Imagem em destaque: aplicativo de bet. Foto: Joédson Alves/ Agência Brasil




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