Em 2025, a intérprete e compositora de samba-enredo da escola santista completa 48 anos ocupando um espaço pouco reservado às mulheres. Objetivo é completar meio século na avenida
Por Wagner de Alcântara Aragão (@waasantista), especial para o Portal Vermelho | De São Paulo (SP)
Tem sido mais recorrente, nos últimos tempos, a presença feminina na ala musical das escolas de samba. Mas, historicamente, a função de intérprete de samba-enredo sendo exercida por mulheres é cena rara. Exceção à regra, e uma das precursoras em ocupar esse espaço, é a Pindá, da Brasil, de Santos.
Seu nome de registro é Conceição Aparecida da Rosa. Nascida em 21 de setembro de 1959, em 2025 serão 48 anos desde a estreia de Pindá na equipe de canto da Campeoníssima, como é conhecida a Brasil.
De lá para cá, a intérprete já atuou por outras escolas, todavia a agremiação – hoje no BNH mas que tem origem no Macuco – é o seu lar. É à Brasil que o povo associa a imagem da cantora. Ou melhor, a voz. Pindá é a voz da Brasil.
É a voz da Brasil – e é também uma das mais icônicas vozes do Carnaval de Santos, que tem um dos mais tradicionais desfiles de escolas de samba do país. O nome de Pindá figura, está registrado entre as legendas do Carnaval santista.
Em entrevista ao Vermelho, Pindá informa que, ao completar 50 anos de intérprete de samba-enredo, em 2027, deverá encerrar a carreira, “tentando uma surpresa na avenida”.
Conta que, antes de se tornar intérprete de samba, gostava muito de cantar. Clara Nunes era a referência, a inspiração. Saía em escola de samba desde pequena, e o ingresso na ala de canto da Brasil veio em 1977, na preparação para o Carnaval de 1978 – oportunidade dada por Tia Isaurinha, presidenta de honra (in memoriam) da agremiação, a quem Pindá reverencia e se declara grata.
Confira:
VERMELHO | Em que ano, em que Carnaval estreou como intérprete de samba. Por qual escola?
PINDÁ | A primeira escola de samba que eu conheci, eu tinha apenas 7 anos. Não desfilei, não, mas foi a primeira escola que eu conheci. Foi a Império do Samba. Depois, em 1974, eu comecei a sair na ala [dos indígenas], do falecido Hélio da Brasil. Eu comecei a sair nessa ala em 1974. Em 1977, eu comecei a cantar na Brasil, ganhando pela primeira vez, junto com meu primo Renival do Chapéu, o [concurso de] samba-enredo, para o Carnaval de 1978. Minha primeira aparição na avenida como interprete – não oficial, [mas sim] como intérprete da aula musical da Brasil – foi em 1978.
VERMELHO | O que a levou, dentro do universo das escolas de samba, a seguir pela carreira de intérprete?
PINDÁ | Quem me levou pra dar uma palhinha pela primeira vez na Brasil, em 1977, foi Paulinho Japão, muito conhecido no mundo do samba. Ele era passista da Brasil, e foi ele quem me levou para que, pela primeira vez, cantasse um samba na Brasil, em 1977.
VERMELHO | Inspirava-se em algum, alguma intérprete especificamente? Havia mulheres nesse meio, ou era um espaço de difícil acesso?
PINDÁ | A inspiração é que é assim: eu gostava muito de cantar em casa, eu tinha apenas 16 anos de idade, 16 para 17 anos. Eu gostava muito de Clara Nunes. Então eu cantava muito músicas da Clara Nunes em casa, e um belo dia o Paulinho falou, “eu vou te levar pra cantar um samba na Brasil”. Me levou na Brasil, em 1977; eu saía em ala, desde 1974, como eu falei. E eu fui, e dei uma palhinha. A Tia Isaurinha, a nossa eterna Tia Isaurinha, nossa maravilhosa Tia Isaurinha, foi quem me abriu as portas pra cantar na avenida. Eu cantei pela primeira vez na avenida junto com o Júlio Barreto, junto com o Valdir, e fui pra avenida com eles, pra cantar. Inclusive o samba que eu e meu primo, Renivaldo Chapéu, [compusemos] e nos tornamos vitoriosos pela primeira vez. {O samba-enredo foi “O fantástico mundo das cores”]… Foi onde tudo começou.
VERMELHO | Sua identificação com a Brasil é grande… Mas você já atuou por outras agremiações, correto? São quantos anos de Brasil e em que outras escolas já exerceu a função de intérprete de samba-enredo?
PINDÁ | A Brasil… são 48 anos de amor, de paixão por esse pavilhão que eu tanto amo. Mas eu tive a honra, o prazer de cantar em outras agremiações: Mocidade de São Vicente, Águia Vicentina, Camisa Alvinegra… Fiquei 31 anos como intérprete oficial da Brasil. Trinta e um anos! Foram depois sete anos de Independência do Casqueiro, cantei na Padre Paulo em 1990 – também tive o prazer, a honra de ser intérprete oficial da Mocidade Independente de Padre Paulo. Então, é uma trajetória muito, muito gratificante para mim, de ser hoje reconhecida como sou no mundo do samba. E a pessoa a quem eu devo tudo isso é a nossa inesquecível, a nossa saudosa Tia Isaurinha, quem me abriu as portas para que eu me tornasse uma intérprete, e uma intérprete oficial durante 31 anos pela Brasil. Após sete anos que eu fiquei afastada [da escola], eu voltei novamente para Brasil, não mais como intérprete oficial. Eu só faço parte da aula musical, não mais como intérprete oficial.
VERMELHO | Você está perto de completar 50 anos na avenida, como intérprete de samba-enredo. Como você analisa o Carnaval, os desfiles hoje, em relação ao passado?
PINDÁ | Há 47, 48 anos, era totalmente diferente. Existia um pouco de não aceitação de intérpretes mulheres. Eu não fui a primeira. Existiu na Mocidade Amazonense, se não me falha a memória, a Mariazinha; na X-9, Anete de Lima… E depois vieram outras intérpretes – a Celinha, da Real Mocidade Santista; Cláudia França, na Padre Paulo… Existia um pouquinho de rivalidade entre [os intérpretes do] sexo masculino para com as intérpretes mulheres. Mas a gente conseguiu com amor, com carinho, dedicação, quebrar um pouco esse tabu. Mas até hoje, ainda existe o tabu de que mulher cantando na avenida é um pouco estranho – para alguns. Mas, eu graças a Deus, sempre fui muito rebém recebida pelos intérpretes das agremiações que eu defendi.
VERMELHO | E as perspectivas… Como espera celebrar os 50 anos que se aproximam?
PINDÁ | Pelas minhas contas, eu agora em 2025 – se Deus me permitir – serão 48 anos de avenida, porque realmente eu comecei em 1977. Espero a Deus, que Ele me permita que eu encerre o meu ciclo aos 50 anos de avenida. Não mais como em intérprete oficial, porque as agremiações agora têm os seus intérpretes oficiais, mas o meu amor, o meu respeito, o meu carinho, a minha dedicação pelo pavilhão da Campeoníssima continua sendo mesmo desde quando eu comecei, desde quando eu comecei lá atrás em 1976 para 1977. Então, eu espero a Deus que Ele me permita eu encerrar o meu ciclo com intérprete de carnaval aos 50 anos de avenida. Eu espero muito por isso, e peço a Deus que me permita.
VERMELHO | Fique à vontade para abordar algo mais que considera importante falar.
PINDÁ | Houve momentos de tristeza para mim, no mundo do samba, por alguns momentos de… Como é que eu posso te dizer? Alguns momentos de pessoas, sem citar nomes, em que eu fui esnobada, eu fui – pra falar sinceramente, cheguei a ser humilhada. É uma palavra muito forte, muito pesada, mas isso não vem ao caso. Isso para mim passou. Com o amor que eu tenho pelo samba, pelo Carnaval, eu procuro esquecer, apagar da minha memória, da minha lembrança [os maus momentos]. E para mim, uma coisa muito gratificante, sempre quando eu vou para a avenida, que eu chego na avenida, mesmo não sendo mais intérprete oficial, o momento é como se fosse a primeira vez. É muito emocionante, é maravilhoso, é maravilhoso. Peço a Deus que me permita muito [chegar aos 50 anos de avenida], porque eu quero encerrar o meu ciclo aos 50 anos de samba, tentando uma surpresa na avenida. Mas isso só pertence a Deus, que Ele me permita chegar.