Thaís Helena, a porta bandeira(s)

Além de conduzir o pavilhão da Unidos dos Morros no Carnaval de Santos, a assistente social atua por habitação digna e outros direitos. Pela luta por uma sociedade antirracista, recebeu recentemente a honraria Dandara dos Palmares


Por Wagner de Alcântara Aragão (@waasantista) | De Santos (SP) e Curitiba (PR)

“Prazer, sou Thaís Helena”.

Essa é a saudação de Thaís Helena Modesto Villar de Carvalho em suas redes sociais digitais.

Conhecer Thaís Helena é, de fato, um prazer.

Porque conhecer Thaís Helena é construir conhecimento, a partir de seus saberes empírico, acadêmico e científico, sobre o déficit habitacional no litoral de São Paulo. Ou, em outras palavras, sobre o problema da falta de moradia digna aos trabalhadores e trabalhadoras dessa região rica em recursos naturais e em produção de bem econômicos.

Ainda, como o racismo estrutural está na base de tal problema.

Atualmente, Thaís Helena é mestranda no programa de Serviço Social e Políticas Sociais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Foi selecionada quando ainda estava terminando a graduação – o resultado do processo saiu no dia em que apresentou seu trabalho de conclusão de curso, conforme ela mesmo conta.

A pesquisa, intitulada “Eu não tinha condições de pagar um aluguel decente – a política habitacional e urbana segundo a perspectiva da(s) mulher(es) negra(s)”, foi editada em livro. Também a partir dela foi produzido um documentário, “Mulheres da maré: qual a cor das palafitas”.

A apresentação do trabalho foi feita em campo – na sede do Arte no Dique, instituto cultural cravado no Dique da Vila Gilda, comunidade de moradias em palafitas na Zona Noroeste de Santos. A banca contou com a presença da filósofa Djamila Ribeiro, nascida e criada em Santos, como Thaís Helena.

Além da pesquisa na graduação, Thaís Helena se destaca pela militância e atuação política. Integra o Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano de Santos, compôs chapa coletiva de candidatas à vereadora nas eleições de 2020, entre outras atividades.

Em razão dessa trajetória, Thaís Helena recebeu em julho último a Honraria Municipal Dandara dos Palmares, concedida pelo Conselho Municipal de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra (CMPDCN) e a Coordenadoria de Promoção da Igualdade Racial e Étnica (Copire) da Prefeitura de Santos.

Em tempo: Thaís Helena porta outra bandeira importante: o pavilhão da Unidos dos Morros, atual campeã dos desfiles das escolas de samba de Santos.

Já colaborou à Rede Macuco com textos sobre sua ligação com o Carnaval, e denunciando os abusos de operações policiais recentes promovidas pelo Governo de São Paulo na região metropolitana da Baixada Santista.

Em agosto, ela concedeu a seguinte entrevista pra gente:

Rede Macuco | Sobre o Troféu Dandara dos Palmares: quanto tomou conhecimento de que receberia, e qual foi a sensação, o sentimento?

Thaís Helena | Não consigo me lembrar a data de cabeça, mas tenho como conferir. Fiquei sabendo por telefone, pelo Renato Azevedo, presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB [Ordem dos Advogados do Brasil] Santos (…). Foi surpreendente. Ele falou, “olha, estou te ligando, em nome [das instituições que concedem o Troféu Dandara]. Você conhece as honrarias da cidade de Santos?”. Eu falei, “conheço algumas. Tem a Brás Cubas, a Quintino de Lacerda…”, e então ele falou, “em relação à questão racial temos o Troféu Dandara, e você foi indicada e foi escolhida”. Na hora foi uma surpresa, não estava acreditando. Me lembro que minha mãe abriu a porta de casa, na mesma hora que eu estava ao telefone, e [se dirigindo à mãe], “fui indicada para ganhar o Dandara”. Minha mãe começou a chorar, não tive mais reação na hora. Só depois com calma, conversando com o Renato, fui entender, a ficha foi caindo, entendendo como funcionava a indicação, o processo de escolha. Já tinha visto várias mulheres importantes na cidade, mulheres negras que eu admiro, militantes históricas, que ganharam o prêmio.

Rede Macuco | Qual a importância social e política que você considera que essa conquista tem?

Thaís Helena | É mais sobre o futuro do que o presente, né? O nosso legado, os nossos posicionamentos. [A honraria fica registrada em livro e esse registro] fica para a história. Isso dá visibilidade [para as lutas em igualdade racial]. [Na cerimônia] a gente faz um discurso para o presidente da Câmara de Vereadores, momento em que você tem a oportunidade de utilizar esse discurso para revindicar, para pontuar o racismo estrutural. E, pessoalmente… Eu nem consigo pensar em mim assim. Ainda não consigo saber, mas eu acho… Fiquei com uma sensação de – até falei isso no discurso – “qual o meu papel na cidade”? Eu fiquei pensando qual o meu futuro na cidade.

Rede Macuco | Agora conte-nos um pouco sobre você: quando nasceu, a infância…

Thaís Helena | Nasci no Chico de Paula [bairro da Zona Noroeste de Santos]. Era uma casa, uma casa com quintal – eu amava o quintal. Uma sensação de pertencimento… O quintal era minha cidade! [Ainda criança] nos mudamos para as palafitas. Minha família: eu, minha mãe, meu avô, minha tia, minha avô. [Posteriormente] minha avó conseguiu [ser contemplada] com um apartamento. Mas eu, minha mãe, seguimos nas palafitas. Caminhando para a fase adulta, já ali com 18, 19 anos, fomos para a minha avó; é o apartamento em que a gente mora hoje [na Zona Noroeste]. São muitas lembranças, tanto da escola, da casa [na palafita]. Muitas memórias também aqui (…) Minha referência de negritude, de identidade,  foi em casa, sem dúvida (…) Sofri racismo na escola; não conseguia estudar, me concentrar nas aulas. E o impacto na autoestima não só em relação à estética, à aparência, mas à capacidade mesmo, de não acreditar que tenho qualidade. Por muitos anos isso me prejudicou.

Rede Macuco | Em que momento se engajou em lutas, considerou que pautas como étnico-raciais, injustiças socioeconômicas demandariam lutas?

Thaís Helena | Eu não lembro assim o dia que demarcou, sabe? O que eu lembro é que a própria situação de precaridade, de violência acabou me levando para a militância. Por exemplo, na questão dos despejos de comunidades, e mesmo os individuais – eu e minha mãe; enfim, essa luta por moradia, isso acabou fazendo o que eu tivesse que compreender cedo algumas coisas. Por proteção mesmo, para entender o que estava acontecendo. E aí nesse processo de buscar informações eu acabei encontrando também a militância. Que é isso: um coletivo de pessoas que têm um objetivo comum, que estão se organizando coletivamente. Foi importante também [o seguinte]: quando saí do ensino médio estavam acontecendo as ocupações [estudantis] nas escolas, nas universidades [movimentos em defesa da educação pública]. Então conhecia a ocupação que estava tendo na Unifesp [campus de Santos]. Vou à ocupação, já tinha feito Enem, ‘tava esperando a chamada. Quando eu entro na universidade, os estudos me levaram para a militância. Antes eu não me via como militante – e não era mesmo, a luta era a luta pela sobrevivência. A universidade me levou a isso. Porque a partir da universidade, e mesmo pela universidade não abarcar referenciais negros e negras – porque tem isso: ao mesmo tempo a universidade te dá bagagem e ao mesmo tempo não, porque ainda se apoia muito em teorias eurocêntricas. Então foi nessa confusão, nesse bolo, que encontrei a militância.

Rede Macuco | Hoje você está no mestrado, é isso? Como foi esse processo?

Thaís Helena | Tinha estágio obrigatório para fazer [no final da graduação, antes de apresentar o trabalho de conclusão de curso, TCC]. Surgiu uma oportunidade em Osasco, em fevereiro de 2022. Deveria apresentar o TCC, mas me recusei a fazer a apresentação na universidade, porque na universidade as pessoas do Dique [comunidade de palafitas na Zona Noroeste de Santos, tema do TCC] não iriam. Pedi para que a universidade fosse. Então foi um processo, uma mobilização, para a Unifesp ir até o Dique. O nome da Djamila Ribeiro [convidada para a banca] pesou para isso [para a universidade aceitar a apresentação em campo, no Dique]. Foi bem legal, muita gente, umas 80 pessoas da comunidade. Foi no [Instituto] Arte no Dique. As pessoas estavam ansiosas pelo documentário, que nem era obrigatório, decidi fazer porque era mais inclusivo. Das oito mulheres que entrevistei, sete não sabiam ler e escrever. A gente fez placas de rua com o nome das mulheres; entregamos essas placas, foi um momento bem legal. Antes, em maio, junho, abriu processo de seleção para o mestrado. Nem tinha terminado o TCC, mas a orientadora falou para me inscrever. Me inscrevi, fui cumprindo as etapas do processo seletivo. Coincidentemente, a divulgação do resultado caiu no dia da apresentação do TCC, e passei. Comecei o mestrado em 2023.

Rede Macuco | E atualmente? Tem o mestrado para terminar, como tem sido?

Thaís Helena | Tenho uma preocupação, um receio… Porque tem o reconhecimento de que [com o TCC, com o mestrado] se produziu algo. Mas não sinto que de fato as pessoas leram, entende? Tem esse receio, porque é difícil uma produção ganhar uma dimensão ampla [para além da universidade], de as pessoas realmente lerem. Se não me engano o último da questão racial, que todo mundo realmente leu, uma grande quantidade de pessoas, acho que foi “O que é lugar de fala”, ou melhor, “Pequeno manual antirracista”, da Djamila Ribeiro, talvez depois o “Racismo estrutural” do Sílvio Almeida – mas também nem sei se as pessoas mais falaram sobre do que realmente leram. Mas já é alguma coisa.

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Imagem em destaque: Thaís Helena e a honraria Dandara dos Palmares. Foto: acervo pessoal




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