Os 60 anos da ditadura e a repressão sobre a Psicologia

Evento da Universidade Federal do Paraná (UFPR) resgata acontecimentos envolvendo o movimento estudantil e docentes da área; por exemplo, a tentativa de sufocar a linha de Psicologia Social Comunitária em Uberlândia, já em 1980


Por Wagner de Alcântara Aragão | De Curitiba (PR)

“60 anos da ditadura militar brasileira e a Psicologia” foi o título de um encontro realizado nesta semana (segunda-feira, dia 16), pelo Programa de Educação Tutorial Psicologia, da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Em três apresentações, foram abordados os efeitos da repressão sobre o movimento estudantil e a carreira docente, e sobre os cursos de Psicologia propriamente ditos. Por tabela, os efeitos nessa área.

Não foram poucos.

O ex-docente Maurício Requião de Mello e Silva, aluno da primeira turma de Psicologia da UFPR (formou-se em 1979), e destacado líder estudantil à época, citou, por exemplo, a tentativa de sufocamento dos princípios da Psicologia Social Comunitária (ou Psicologia Comunitária).

Maurício Requião integrou, em 1980, o corpo docente de uma das iniciativas precursoras de Psicologia Social Comunitária na academia – no curso da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).

Ele e sete colegas – “ficamos conhecidos como grupo dos oito” – foram perseguidos. Sofreram processo administrativo, sem saber exatamente do que estavam sendo acusados e sem direito à defesa. Foram punidos com a exoneração.

“Só fomos ter acesso [ao processo] nos anos 1990”, relatou.

Foi quando obtiveram, na Justiça, anistia e direito a serem reintegrados. Como, àquela altura, cada docente já tinha tomado rumo distinto, estando em outras localidades, a reintegração pôde se dar em  universidades federais de outros estados – Maurício Requião foi alocado na UFPR.

Maurício Requião leu trechos do processo que levou à expulsão dos oito docentes de Psicologia Social Comunitária da UFU.

De tão absurdos (mas ao mesmo tempo tão parecidos com discursos atuais da extrema-direita), geraram risos na plateia.

Os oito professores eram acusados de “destruir a ordem” com seus ideais de cunho “marxista-leninista”, “fazendo apologia ao materialismo histórico dialético”.

Ainda nas palavras do inquérito, o Departamento de Psicologia da UFU se transformara em um “verdadeiro serpentário”, um “vulcão”.

Os repressores acusavam o grupo de “apoio e assessoria a alunos em redações de documentos esquerdistas ou manifestações grevistas, aliciavam discentes para determinado partido político (PT), acirravam contradições, combatendo o sistema”.

O livro “Violência, ditadura e memória: expressões políticas e emocionais”, organizado por Maristela de Souza Pereira e publicado em 2020 pela Associação Brasileira de Psicologia Social (Abrapso), traz depoimento de Maurício Requião sobre o episódio, e a transcrição de trechos do inquérito.

Em abril de 2023, a UFU, por meio do Instituto de Psicologia, fez um pedido de desculpas e retratação, formal e oficial, aos oito professores.

A universidade reconhece ter havido “perseguição política” e adoção de “ato de exceção relacionado à ditadura militar”.

Depois de trajetória como docente e como político (foi deputado federal e secretário de Estado da Educação), Maurício Requião (irmão do ex-governador e senador Roberto Requião) é desde 2022 conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR).


Imagem em destaque: Maurício Requião mostra fotos dos tempos de líder estudantil, em participação no “60 anos da ditadura militar brasileira e a Psicologia”. Foto: @waasantista




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