Estudo mostra como o youtube interferiu nas eleições

Pesquisadores brasileiros, da UFMG, constatam que plataforma contribuiu para dar mais visibilidade e alcance ao discurso de direita, não só no Brasil, como nos EUA e Inglaterra.


Por Itamar Rigueira Jr, da UFMG | De Belo Horizonte (MG)

Um trio de doutorandos da Ciência da Computação, orientado pelo professor emérito Virgílio Almeida, ajudou a validar com dados o que é uma percepção geral: a presença do youtube tem grande relevância no processo político no Brasil.

Eles mergulharam em 55 canais brasileiros da plataforma de vídeos, representantes da extrema direita à extrema esquerda, com foco nas eleições para presidente de 2018. O youtube é a segunda plataforma on-line mais popular no Brasil, com quase 70 milhões de acessos por mês.

Os pesquisadores constataram, por exemplo, que a audiência dos canais de direita aumentou ao longo do período estudado e que os vídeos e comentários dos canais da chamada baseline (de posição neutra, que servem para controle) fizeram, ao longo do tempo, um movimento significativo para a direita.

“Como a direita era muito mais ativa no youtube, teve mais força para angariar novos apoiadores”, comenta o doutorando Raphael Ottoni, que integrou a equipe do estudo ao lado de Gabriel Magno e Evandro Cunha. Eles estão preparando artigo para submeter a periódicos.

O trabalho do grupo do DCC coincidiu com o interesse dos repórteres Amanda Taub e Max Fisher, do escritório londrino do The New York Times, que produziam uma série de matérias sobre a influência do youtube em diferentes países. Eles estiveram em Mianmar, no Sri Lanka, na Alemanha e no Brasil, entre outros países, e chegaram ao professor da UFMG e sua equipe quando tomaram conhecimento de outra pesquisa coordenada por ele, com análise de discurso de ódio e discriminação em vídeos postados na plataforma por grupos de direita nos Estados Unidos e na Inglaterra.

O trabalho da UFMG foi premiado em congresso na Holanda, em 2018.

COMO FOI FEITA A PESQUISA

A pesquisa do grupo do DCC lançou mão de técnicas específicas para investigar vocabulário, tópicos e vieses nas falas dos youtubers e nos comentários suscitados pelos vídeos. No primeiro caso, foi usada a Linguistic Inquiry Word Count (LWIC), ferramenta que possibilita a classificação de palavras em categorias e a verificação da frequência dessas categorias.

Para definição e contagem dos tópicos, o grupo utilizou a tecnologia Latent Dirichlet Allocation (LDA), que procura, nos textos (as falas são convertidas em textos), conjuntos de palavras que definem os assuntos predominantes. Para identificar o viés das manifestações, os pesquisadores usaram uma técnica inspirada em teste psicológico. O objetivo é encontrar, por meio da comparação das distâncias entre palavras nos discursos, associações implícitas.

Os pesquisadores procuraram, por exemplo, associações de palavras relacionadas a armas como algo positivo e que geraria segurança e outras relacionadas ao desarmamento como algo negativo e perigoso.

“A incidência de associações entre esses termos revelou que os videoativistas de direita, que sempre se mostravam a favor das armas, mudaram o discurso logo depois do episódio do atentado à faca contra o então candidato Jair Bolsonaro. Terminadas as eleições, esse viés reapareceu ainda com mais força”, comenta Gabriel Magno.

Evandro Cunha, que cursa o doutorado em Linguística e Ciência da Computação, lembra que os dois campos são geralmente tidos como distantes um do outro, mas eles se encontram em áreas como a da computação social. “Nesse caso, as análises quantitativas, que tiram partido da grande capacidade de processamento da computação, devem ser combinadas com a análise fina do ponto de vista da linguística e das ciências sociais”, diz.

PERÍODOS

O grupo coletou material postado desde 2016 e dividiu vídeos e comentários em quatro períodos: até 15 de agosto de 2018, ou seja, antes do início do processo eleitoral; da abertura do processo [até o episódio da facada em Bolsonaro]; após [a facada], até a votação e após o resultado do pleito.

As fontes ligadas à direita foram escolhidas com base em seis recomendações feitas por Bolsonaro, entre elas os canais de Olavo de Carvalho e Bernardo Küster, e em outras recomendações desses youtubers. O material da esquerda foi selecionado com base em indicações que aparecem nas postagens de Sabrina Fernandes e Brasil 247. E os canais neutros são os da área de entretenimento com maior número de inscritos.

A pesquisa incluiu 27 canais do YouTube de orientação direitista, que somavam quase 12 milhões de seguidores. Foram coletados 7,1 mil vídeos, com 1,4 bilhão de visualizações e 5,8 milhões de comentários.

No outro lado do espectro político, os pesquisadores analisaram 18 canais de esquerda, 4,1 mil vídeos, com 1,3 bilhão de visualizações e quase 400 mil comentários. A baseline foi composta de 10 canais, 3.645 vídeos (24,6 bilhões de visualizações) e 27,3 milhões de comentários.

COMENTÁRIOS

Nos comentários dos canais de direita e de esquerda, foram encontrados, em grande quantidade, discursos inflamados contra o PT – isso se explica pela participação intensa dos apoiadores do candidato da direita no debate dos canais dos dois extremos do espectro político. Algumas das menções predominantes nos canais da direita foram protestos contra a corrupção, comunismo, religião e o enaltecimento de Bolsonaro. Nos canais da esquerda, a pesquisa encontrou, em maior quantidade, Lula livre, eleições, religião, ditadura e Lava Jato.

“Na vida cotidiana, dependemos cada vez mais de celulares e aplicativos e estamos todos sujeitos à ação dos algoritmos. Eles tomam decisões por nós. Definem o anúncio que vamos ver, o próximo vídeo a que vamos assistir. Nos Estados Unidos, os juízes já contam com algoritmos para calcular o risco de o réu reincidir e, com base em informações como essa, chegar à dose da sentença de condenação”, comenta Virgílio Almeida.

“Parte dos nossos interesses de pesquisa abrange a compreensão dos fenômenos complexos vinculados à interação da sociedade com os sistemas tecnológicos. E o youtube é muito importante, porque tem enorme audiência e grande influência sobre crianças e jovens.”

O New York Times publicou informações e depoimentos do grupo da UFMG em How YouTube radicalized Brazil (11/8/2019) e How YouTube misinformation resolved a WhatsApp mystery in Brazil (15/8/2019).


Imagem em destaque: Os pesquisadores Raphael Ottoni e Gabriel Magno. Foto de Foca Lisboa/UFMG


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