Modelo agrícola autossustentável na Serra do Espinhaço, em Minas Gerais, desenvolvido por comunidades camponesas e quilombolas, é reconhecido como referência pela ONU/FAO.
Da FAO | De Brasília (DF)
O Sistema de Agricultura Tradicional da Serra do Espinhaço, também conhecido como “apanhadoras de flores sempre-vivas”, localizado em Minas Gerais, na porção meridional da serra, recebeu o reconhecimento internacional concedido pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).
A FAO concedeu o título de “Sistemas Importantes do Patrimônio Agrícola Mundial (Sipam).
O certificado visa reconhecer os patrimônios agrícolas desenvolvidos por povos e comunidades tradicionais em diversas partes do mundo.
As comunidades apanhadoras de flores sempre-vivas passam a ser o primeiro Sipam no Brasil, o quarto da América Latina e o 59º patrimônio agrícola em todo o mundo.
A cerimônia de entrega do certificado ocorreu no último dia 11, em Brasília. A apanhadora de flores Maria de Fátima Alves foi a representante das comunidades a receber o título.
“Estes sistemas de patrimônio agrícola são caracterizados pela combinação de quatro elementos: biodiversidade, ecossistemas resilientes, conhecimento tradicional e uma valiosa herança cultural, ou seja, uma identidade. Depois de ter conhecido o trabalho destas apanhadoras de flores sempre-vivas há um quinto elemento que incluo como muito importante: a dignidade das mulheres rurais”, explicou o representante da FAO no Brasil, Rafael Zavala.
O Sistema Agrícola da Serra do Espinhaço é praticado por seis comunidades, formadas por camponesas e quilombolas, localizadas nos municípios de Diamantina, Buenópolis e Presidente Kubitscheck. Essas famílias preservam há séculos naquela região a identidade cultural e prática sociocultural de manejo e coleta das flores sempre-vivas.
De geração em geração, aquelas comunidades, que são também agrícolas e pastoris, além de extrativistas, transmitem e preservam seus conhecimentos no manejo destas plantas.
Cumprem, assim, um importante papel de guardiãs da natureza, ao mesmo tempo em que garantem a autonomia alimentar por meio da produção agrícola de alimentos e a criação de animais. É um conjunto de práticas de convivência harmônica com o ambiente mediante a preservação das tradições típicas da identidade cultural dessas comunidades.
As famílias produzem grande parte dos alimentos que consomem, o que lhes garante segurança alimentar e nutricional. Contudo, a comercialização das flores sempre-vivas é a principal fonte geradora de renda.
PAPEL-CHAVE DAS MULHERES
As mulheres, que representam cerca de 60% das que exercem a atividade agrícola nestas comunidades, desempenham um papel chave no uso, conservação ou circulação de sementes, bem como na transmissão de conhecimentos e na manutenção da cultura alimentar.
A apanhadora de flores sempre-vivas Maria de Fátima Alves, membro da comissão em defesa dos direitos das comunidades extrativistas, destacou a importância da preservação da tradição e do conhecimento gerado por estas comunidades que, hoje, ganham o reconhecimento da FAO.
“Temos um papel fundamental na manutenção da vida quando conservamos centenas de espécies nativas e da biodiversidade. Temos muito orgulho de ser o primeiro Sipam do Brasil e imensa felicidade em sermos os pioneiros neste processo. Esta conquista é de todos os povos tradicionais do Brasil”, afirmou Maria de Fátima.
PLANTAS ALIMENTARES E MEDICINAIS
As comunidades que tiveram seus sistemas agrícolas reconhecidos pela FAO – Lavras, Pé-de-Serra, Macacos e as Comunidades Quilombolas de Raiz, Mata dos Crioulos e Vargem do Inhaí – chegam a manejar cerca de 480 espécies de plantas já catalogadas, incluindo as alimentares e as medicinais, cujos conhecimentos e práticas únicas permitem a preservação dos recursos genéticos e melhoram a agrobiodiversidade.
No período de abril a outubro, as apanhadoras e suas famílias sobem a Serra do Espinhaço para a coleta das principais flores sempre-vivas, permanecendo por lá durante semanas. A coleta também representa o momento de encontro entre as comunidades, promovendo a socialização.
Essas comunidades são guardiãs da biodiversidade, tanto de sementes agrícolas como de conhecimentos tradicionais associados às espécies silvestres – conhecidas como sempre-vivas. Além disso, cultivam outras plantas espontâneas importantes na dieta e na medicina tradicional quilombola.
Os conhecimentos continuam sendo transmitidos entre gerações, as sementes são trocadas e o seu compartilhamento é conduzido pelas comunidades, contribuindo assim a conservação das sementes.
O manejo é baseado no conhecimento tradicional, estritamente relacionado aos ciclos naturais das espécies e à intensidade de coleta, a fim de garantir a renovação e manutenção de cada espécie.
SOBRE O CERTIFICADO
Criado em 2002 pela FAO, o Sipam (Globally Important Agricultural Heritage System – GIAHS, sigla em inglês) combina biodiversidade agrícola, ecossistemas resilientes e um patrimônio cultural valioso.
São sistemas agrícolas ancestrais que constituem a base para inovações e tecnologias agrícolas contemporâneas e futuras. Sua diversidade cultural, ecológica e agrícola ainda é evidente em muitas partes do mundo, mantida como sistemas únicos de agricultura.
Na América Latina, além do Sistema de Agricultura Tradicional da Serra do Espinhaço, integram este seleto grupo do Sipam na região: o corredor Cuzco-Puno, no Peru; o arquipélago de Chiloé, no Chile; e o sistema de Chinampa, no México.
Para que o Sistema de Agricultura Tradicional da Serra do Espinhaço recebesse o reconhecimento, ainda em 2018, as comunidades se organizaram e, com o apoio da Comissão em Defesa dos Direitos das Comunidades Extrativistas, prepararam o dossiê de candidatura com o apoio de universidades parceiras. Além disso, elaboraram o Plano de Conservação Dinâmica do Sistema Agrícola, em parceria com importantes secretarias do Governo do Estado de Minas Gerais, além das prefeituras de Diamantina, Presidente Kubitschek e Buenópolis.
Imagem em destaque: apanhadoras de sempre-vivas em atividade. Foto: Valda Nogueira
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