Florestan Fernandes, 100 anos: acadêmico e militante

A atuação do sociólogo em movimentos sociais, partidos políticos e cargos eletivos. Seminários virtuais na USP debatem legado do cientista social brasileiro


Por Maria Laura López, do Jornal da USP | De São Paulo (SP)

Pensada a partir do conceito de intelectual orgânico, criado pelo filósofo italiano Antonio Gramsci (1891-1937), a trajetória de vida de Florestan Fernandes (1920-1995) também pode ser analisada pela perspectiva de um intelectual que se manteve ligado à sua origem social.

Para além de sociólogo e professor, Florestan foi ainda um grande militante, cujas lutas e conquistas são percebidas até hoje.

“Ele foi sobretudo um grande acadêmico. O que não quer dizer que ele fosse uma figura avessa às questões sociais e à atuação política”, afirma a professora Maria Arminda do Nascimento Arruda, diretora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.

Neste 22 de julho, terça-feira, completa-se o centenário do nascimento de Florestan – data que o Jornal da USP está celebrando com uma série de reportagens.

Para a diretora, o diferencial da sociologia de Florestan está na forma como ele trata o processo de modernização no Brasil.

“Ele faz uma interpretação da modernização brasileira a partir de um lugar, que era o seu lugar de origem social, que podemos chamar genericamente de camadas populares”, explica ela.

Também segundo o acadêmico Haroldo Sereza, doutor pela FFLCH e autor de “Florestan: A Inteligência Militante”, o engajamento do sociólogo possui essa base, embora ele tenha tido diversas fases de aproximação e distanciamento da militância.

“O próprio Florestan diz que sempre identificou uma relação com os movimentos populares por causa da sua infância na pobreza, embora sua atuação política comece realmente nos anos 1940, quando ele entra na USP”, afirma Sereza.

Foi nessa época, mais especificamente em 1943, que Florestan conheceu Hermínio Sacchetta, diretor de redação da Folha da Manhã e militante do Partido Socialista Revolucionário (PSR).

“O PSR, partido para o qual Florestan entra em 1945, era uma racha trotskista do Partido Comunista Brasileiro (PCB). A partir daí, ele tenta equilibrar sua carreira acadêmica e sua atividade partidária”, diz Sereza.

No entanto, com o aumento das responsabilidades docentes, a dedicação política do militante foi diminuindo e ele acabou optando pelo trabalho na universidade. Lá, esse seu lado acabou aparecendo mais em suas pesquisas, como a feita nos anos 1950 sobre a questão racial.

“Esses foram os primeiros momentos de aproximação que Florestan teve com a militância. Outro momento acontece já no início dos anos 1960, que é quando ele se engaja definitivamente em uma campanha popular, a defesa da escola pública”, conta Sereza.

Segundo ele, o sociólogo atuou fortemente em defesa de um projeto de reforma educacional que priorizasse a escola pública. “Nesse momento, Florestan se descobre como um intelectual que participa das causas sociais. Então ele chega em 1964 como uma figura pública, em defesa das causas sociais e tendo alguma proximidade com certos partidos de esquerda.”

Assim, no início da ditadura civil-militar o professor já era razoavelmente vigiado, e essa tensão só foi aumentando com o tempo.

“Começa uma agitação na Universidade de São Paulo, Florestan vai se posicionar muitas vezes do lado dos alunos e, depois do Ato Institucional n°5, em dezembro de 1968, ele é caçado pela ditadura e aposentado compulsoriamente”, recorda Sereza.

A partir daí, o sociólogo perde o vínculo com a Universidade e passa a ter um engajamento quase que exclusivo com os movimentos sociais. “Nesse período ele sai do Brasil, e começa a publicar textos ainda mais marcados pelo marxismo. E é em 1975 que ele publica sua obra mais importante: ‘A Revolução Burguesa no Brasil’.”

Mais envolvido no debate político imediato e com grande reconhecimento devido aos seus trabalhos anteriores, Florestan volta ao Brasil para dar aulas na PUC de São Paulo. Ele publica um livro intitulado “O Que é revolução?” e passa a ser frequentemente chamado para debater com os movimentos de esquerda.

“Por isso, em 1981, ele acompanha de perto a formação do Partido dos Trabalhadores (PT), da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e, pouco depois, do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST)”, explica Sereza. Tais acontecimentos parecem prever a década de 1980 na vida de Florestan, marcada por uma intensa militância em prol dos movimentos sociais.

“Ele participa de todas as campanhas sociais nesse período, mas como um militante solitário, sem partido. Até que em 1986 o PT convida Florestan a disputar uma vaga para a Assembleia Constituinte”, narra Sereza.

De acordo com o pesquisador, toda a agitação feita pelo sociólogo ao longo dos anos 1980 faz com que ele seja um dos deputados mais votados do PT, e um dos mais radicais também. “Em 1960, ele é alguém que acredita nas reformas e na transformação através delas. Mas, como isso é barrado pela ditadura de uma maneira autoritária, a posição dele se radicaliza.”

Florestan atua na Constituinte especialmente nas pautas de educação e direitos humanos. Seu primeiro mandato como deputado é marcado principalmente por esse papel na Constituinte.

Reeleito em 1990, ele já chega um pouco doente e com menos votos que na primeira eleição, sua atuação nesse momento é bem mais discreta, pontua Haroldo Sereza.

“Uma das coisas que ele mantém é a briga por políticas afirmativas, porque isso não ficou bem resolvido na Constituição de 1988 e ele quer retomar em 1993”. Segundo o pesquisador, Florestan fez isso contrariando uma decisão do partido, pois dizia que tinha um dever com o movimento negro.

Nesse sentido, é possível perceber que o engajamento político de Florestan é muito voltado para as questões sociais com que ele já tinha tido contato, principalmente como sociólogo.

Sereza afirma: “Acho que a grande lição de Florestan é a dialética do pesquisador que se engaja contra as injustiças que ele encontra e a favor da transformação social”.

Assim, a militância aparece como inerente à sociologia, ainda que possa ser praticada de formas diferentes. “Para ele, ela precisa ter algum grau de engajamento e compromisso com a transformação da sociedade.”

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SEMINÁRIOS VIRTUAIS FLORESTAN FERNANDES 100 ANOS

O centenário do sociólogo Florestan Fernandes está sendo comemorado com um ciclo de seminários virtuais promovido pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Já houve debates nos dias 8 e 15; os próximos ocorrem em 22 e 29 de julho no canal da FFLCH na plataforma youtube.

No dia 22 – dia exato do centenário de Florestan -, às 17h30, um dos principais livros do sociólogo (“A Revolução Burguesa no Brasil”) será debatido pelos professores Gabriel Cohn, Brasílio Sallum – ambos do Departamento de Sociologia da FFLCH – e Antônio Brasil, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), na mesa 3 do ciclo, que terá como tema “A Revolução Burguesa no Brasil, Ontem e Hoje”.

A quarta e última mesa do ciclo, no dia 29, às 17h30, abordará Da integração do negro na sociedade de classes à revolução burguesa no Brasil, com a participação dos professores Lília Schwarcz, do Departamento de Antropologia da FFLCH, Jessé Souza, da Universidade Federal do Grande ABC (UFABC), e Mário Medeiros, da Unicamp.

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Imagem em destaque: Florestan Fernandes em passeata em defesa do ensino público. Acervo Assembleia Legislativa de São Paulo


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