Ouvir as “conversas” de lobos-guará ajuda a preservar a espécie

Pesquisadores de instituições públicas de ensino e pesquisa sobre o que se comunicam os animais; escute aqui aulidos e vocalizações captadas


Por Marcos Neves Jr., da Ascom da UFRN | De Natal (RN)

Recentemente, a população brasileira viu mais um valor monetário passar a ser impresso em papel moeda, fato que não ocorria desde o ano de 2002.

O escolhido para estampar a cédula de R$ 200 foi o simpatissíssimo lobo-guará.

Não é possível ainda avaliar os impactos na economia e na circulação de dinheiro vivo no país a partir da medida, mas o que se sabe sobre a espécie representada no verso da nova nota do Real?

De hábitos solitários e mais ativo ao cair da noite, o lobo-guará é uma espécie típica da América do Sul pertencente à família dos canídeos, ao lado de coiotes, chacais, raposas e cães.

No Brasil, sua presença é mais frequente no Cerrado, do qual é um símbolo, mas também pode ser avistado em áreas de transição para Amazônia e Caatinga e na Mata Atlântica.

Justamente em uma dessas áreas de transição, no parque nacional da Serra da Canastra, localizado no sudoeste de Minas Gerais, um estudo sobre o comportamento do lobo-guará foi realizado.

A pesquisadora da UFRN, Luane Ferreira, instala captadores de áudio. Foto: Ascom/UFRN

Pesquisadores do Laboratório de Bioacústica da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) investigaram mais especificamente a comunicação da espécie, registrando ao longo de meses as conversas desses animais.

Com o objetivo de encontrar padrões espaciais e temporais nos sons emitidos pelos lobos-guará, o trabalho buscou evidências sobre a função dessa forma de comunicação.

Os pesquisadores descobriram que a espécie conversa remotamente o ano inteiro, embora mais na estação reprodutiva, mais em alguns locais do que outros e mais no início de sua atividade.

E QUAL O ASSUNTO DAS CONVERSAS ENTRE OS LOBOS-GUARÁ?

Por meio de suas vocalizações, chamadas de aulidos, os lobos-guará encontram e reencontram parceiros reprodutivos, dissuadem competidores do mesmo sexo e potenciais invasores de território e também mantêm contato com o grupo familiar (parceiro e filhotes).

É o que indica o estudo, intitulado “Padrões temporais e espaciais das chamadas de longo alcance de lobos-guará”.

“Em geral, os grandes canídeos se agrupam em matilhas, como os lobos. Porém o lobo-guará tem esse hábito mais solitário, e a pesquisa revelou que mesmo estando numa população com densidade muito baixa, ou seja, não há muitos animais juntos, eles têm uma comunicação bastante efetiva por meio dos sons”, explica a professora do Departamento de Fisiologia e Comportamento da UFRN, Renata Sousa-Lima, uma das autoras do artigo.

  • Para saber como são os aulidos e ouvir exemplos de sequências dessas vocalizações, clique aqui para ouvir

Outra descoberta da pesquisa dá conta de que a espécie emite mais aulidos em noites próximas à lua cheia.

A razão não está ainda evidenciada, mas, para os pesquisadores, talvez a luz facilite encontrar frutas, ou pode ser ainda que os pequenos vertebrados caçados por eles os vejam melhor, dificultando sua captura. Em ambas situações restaria mais tempo para outras atividades, como a comunicação acústica.

AMEAÇAS À ESPÉCIE

O Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) [organização pública federal criada em 2007], inclui o lobo-guará como Vulnerável.

Numa lista de dez categorias nas quais se encaixam as espécies, quatro são destinadas àquelas ameaçadas: Extintas da Natureza, Criticamente em Perigo, Em Perigo e Vulnerável.

Ou seja, o lobo-guará é um animal em risco e que necessita de cuidados. Há regiões, como no Rio Grande do Sul, onde ele chega a ser classificado como Criticamente em Perigo.

São muitas as ameaças, no entanto, a principal é a perda e a fragmentação de seu habitat natural.

DEVASTAÇÃO DO CERRADO

De acordo com a pesquisadora do Laboratório de Bioacústica da UFRN e primeira autora do artigo, Luane Ferreira, mais de 50% do Cerrado já foi transformado para agricultura de larga escala e pastagens.

Além disso, apenas 2,2% está protegida legalmente. Tal cenário é propício a incêndios cada vez mais frequentes e de proporções ainda maiores.

“Outras ameaças incluem atropelamentos, transmissão de doenças e perseguição por cães domésticos e a caça por retaliação. Todo esse conjunto é bastante desfavorável, especialmente porque os lobos-guará precisam de grandes áreas de vida, então os fragmentos não comportam muitos indivíduos e os jovens, ao se dispersarem, muitas vezes precisam atravessar estradas e fazendas”, explica a pesquisadora.

POR QUE ENTENDER AS CONVERSAS

Compreender como a  comunicação dos lobos-guará acontece tem implicações fundamentais.

Para a pesquisadora Luane Ferreira, considerando que se sabe pouco sobre a espécie devido aos seus costumes solitários e por serem de observação difícil, é uma alternativa mais viável de registro e uma excelente forma de obter conhecimento sobre essa espécie.

“É importante para a preservação da espécie uma vez que o registro dessa comunicação nos dá uma forma não invasiva de monitorar a ocorrência e estimar o número de indivíduos da espécie. Já compreender a informação transmitida nos permite, por exemplo, identificar épocas nas quais é mais provável que estejam com filhotes e que, portanto, precisariam de maior proteção”, analisa Luane.

A partir do material colhido durante os experimentos, os pesquisadores conseguiram estimar o número de animais gravados e determinar datas de momentos essenciais para o entendimento da dinâmica dos lobos-guará, como o parto. Conhecimentos muito importante nas pesquisas sobre essa espécie que tende a se tornar bem mais popular entre todos os brasileiros.

Publicado na revista científica Mastozoología Neotropical, o artigo também é assinado por Luciana Rocha, Danielly Duarte e Edvaldo Neto, do Departamento de de Fisiologia e Comportamento da UFRN; Por Júlio Baumgarten, da Universidade Estadual de Santa Cruz, e Flávio Rodrigues, da Universidade Federal de Minas Gerais.


Imagem em destaque: lobo-guará no Cerrado brasileiro. Foto de Felipe Pizzinato/Divulgação UFRN

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