A juventude que finca raízes no campo

Do Sul da Bahia, na região do cacau, e do Bico do Papagaio, em Tocantins, dois exemplos de busca de oportunidades, emprego e renda por parte de jovens


Por Mariana Castro, do Brasil de Fato | De Imperatriz (MA)
Por Lays Furtado, da Página do MST | De Arataca (BA)

Entre o Cerrado e a Floresta Amazônica, jovens da região rural do Bico do Papagaio, no norte do Tocantins, refletem sobre seus sonhos e a vida no campo. A região faz divisa com os estados do Maranhão e do Pará, reconhecida como pré-Amazônica ou zona de ocorrência de babaçuais.

Entre quintais frutíferos e quebra de coco babaçu nas calçadas, há uma população dedicada à agricultura familiar que envelhece, e jovens que se veem diante de um dilema: “o que fazer?”.

O questionamento é uma das bases da pesquisa “Juventudes Rurais do Bico do Papagaio”, coordenada e apresentada em formato de cartilha pela Alternativas para a Pequena Agricultura no Tocantins, a APA-TO, o GT das Juventudes Rurais, a Rede Bico Agroecológico e a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), com o apoio da Misereror, entidade da Igreja Católica na Alemanha que trabalha na cooperação para o desenvolvimento. O levantamento ouviu 245 jovens da região.

VOLTA AO CAMPO

A história de Aldimar de Sousa, conhecido como Dimas, é uma das que deu origem ao diagnóstico. Aos 18 anos, ele saiu do campo em busca de oportunidades, mas retornou ao seio familiar e hoje cursa Educação do Campo.

“Eu fui em busca de emprego, falando eu na minha cabeça, que eu ia conseguir um emprego em um frigorífico, ter o meu dinheiro. Colocaram isso na minha cabeça. Eu me arrependi bastante”, conta.

A base do trabalho camponês é familiar, por isso muitas crianças já crescem ajudando na lida diária e, mesmo com o passar do tempo, têm seu trabalho compreendido como “uma ajuda para a família” e permanecem sem atividades remuneradas, um dos motivos que os levam a buscar outras alternativas.

Aldimar hoje cursa Educação do Campo na Universidade Federal do Tocantins e reconhece o valor do campo.

“A terra que eu vivo tem três alqueires, e eu nunca pensei que ter um espaço entre uma casa e outra ia trazer tanta paz e tanto conforto ao estar ao ar livre. Uma casa em uma cidade é muito compacta, a gente sai e olha mais casas. Aqui a gente olha árvores, pássaros, bichos, pessoas”, avalia.

De acordo com a pesquisa, entre os trabalhos não remunerados desenvolvidos pelos jovens, a roça aparece com maior frequência (18,5%), seguida com mais destaque os afazeres domésticos, do lar e cuidado com a casa (14,2%), a criação de galinha e/ou porco (11,4%) e o trabalho da horta (8,2%).

Ainda assim, os jovens buscam na própria comunidade maneiras de permanecer no campo.

De acordo com o diagnóstico, 72% dos jovens desejam permanecer no campo, mas faltam políticas públicas e diálogo entre a comunidade para que isso seja possível.

SURPRESA

O dado foi uma surpresa para os pesquisadores.

A pesquisadora Selma Yuki, da coordenação da APA-TO, que atua na região desde 1992 a fim de garantir a permanência de agricultoras e agricultores familiares na terra, avalia que para pensar uma solução, é necessária uma construção coletiva, entre os jovens, seus pais, a comunidade em geral e os órgãos competentes.

“A gente viu que a juventude tem uma relação de identidade com o território, com a sua comunidade e isso é importante para eles. Agora a gente percebe que existem grandes desafios que impossibilitam a juventude de conseguir ficar no seu território”, analisa Yuki.

Entre as maiores dificuldades apontadas estão falta de renda (32,9%), a falta de incentivo da família (15,3%) e de estrutura como saúde, lazer, esporte e educação (15,3%), entre outros.

O diagnóstico faz parte de um amplo processo de organização da juventude, que seguirá com a realização de 14 encontros para debater os desafios apontados. Os encontros foram suspensos em razão da pandemia, mas devem ser retomados em 2021.

Rafaela Oliveira tem 22 anos e vive no assentamento Aliança, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), na zona cacaueira do Sul da Bahia.

A jovem conta que cresceu em meio a produção do cacau, desde pequena apreendeu a cultura cacauiera que hoje lhe proporciona uma perspectiva de vida no campo, a partir da agricultura familiar camponesa.

“Eu vi uma fábrica de chocolate pela primeira vez no próprio assentamento Terra Vista. Depois pude, por meio da escola, ir em outras fábricas e participar de outros eventos de chocolate. Hoje eu moro não no assentamento Terra Vista; mas moro no Rio Aliança que é próximo, e a gente trabalha com cacau, que é uma cultura que já tem muito tempo aqui na região. Mas também temos outros tipos, como é o caso da banana, cupuaçu, açaí e a horta.”

Jovens agricultores de cacau, no sul da Bahia. Foto: acervo MST/BA

Sobre os significados de trabalhar em sua própria terra, Rafaela comenta que via que o pai trabalhava em fazendas “dos outros”.

“A gente não tinha condições para comprar uma terra, uma terra nossa. E hoje eu posso olhar aqui no assentamento, tanta gente que trabalha em sua própria roça, em sua própria área, e que teve essa oportunidade através do Movimento. Então a luta pela terra significa muito pra esse povo, para nós”.

“Então esses jovens são ‘chocolatiers’ [especialistas em chocolate]. E mais, eles também são produtores de cacau. Então, eles têm as áreas deles, os pais deles tem as áreas deles”, conta Sálvio, que também é um jovem agricultor assentado de cacau.


Imagem em destaque: grupo de jovens da região do Bico do Papagaio, Tocantins. Foto: divulgação APA-TO


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