Feiras agroecológicas garantem emprego, renda e comida saudável no semiárido

Elas se tornam opção às grandes redes de varejo, que estão avançando com seus produtos ultraprocessados, pelo interior do Nordeste


Por Pedro Stropasolas, do Brasil de Fato | De cidades do semiárido nordestino e São Paulo (SP)

Os mercados são uma construção do povo. Mas, em um país sob o domínio do agronegócio, eles acabam caindo nas mãos das grandes corporações.

O caminho que parece irreversível tem do lado oposto uma coletividade que resiste a esta expansão.

Combater a fome colocando alimentos saudáveis na mesa dos brasileiros, mesmo com a crise e a alta dos preços nas prateleiras, é uma das tônicas do movimento agroecológico no nordeste brasileiro.

MERCADOS DA AGRICULTURA FAMILIAR

Uma pesquisa recente feita em seis estados nordestinos pela Rede de Assistência Técnica e Extensão Rural (Rede Ater) revela os efeitos dos mercados territoriais, aqueles construídos por organizações da agricultura familiar.

O levantamento comparou o desempenho econômico de famílias rurais quando comercializam seus alimentos orgânicos nestes tipos de mercados e quando sua produção está vinculada à intermediários e grandes redes de varejo.

MAIS RENDA ÀS FAMÍLIAS, MAIS VARIEDADE DE PRODUTOS

No ano de 2020, ciclo agrícola analisado, a renda agrícola das famílias aumentou em 71% nos mercados territoriais agroecológicos – seja feiras, quitandas, ou dentro de programas institucionais.

A diversidade de culturas para ofertar a população também aumentou, passou de 12 para uma variedade de 19 produtos.

“O que nós estamos vendo nesses mercados territoriais é que a alimentação saudável não precisa ser cara”, pontua representante da Rede Ater no Nordeste, Paulo Petersen.

Integrante do Núcleo Executivo da Articulação Nacional de Agroecologia , o extensionista continua: “Os mercados territoriais colocam a alimentação saudável a preços acessíveis, equivalentes a todos os produtos que se vendem naquele território. É a democratização do acesso aos alimentos saudáveis”.

AVANÇO DAS GRANDES REDES

O semiárido brasileiro passa hoje por um processo de interiorização das grandes redes de supermercado, ampliando o consumo de alimentos ultraprocessados entre os mais pobres.

Nesse processo, a agricultura familiar vem perdendo espaço, e passa a ser refém das grandes cadeias verticais vinculadas à monocultura e ao uso intensivo de agrotóxicos.

A IMPORTÂNCIA DE POLÍTICAS PÚBLICAS

As famílias participantes do estudo, de 12 territórios e iniciativas distintas, fizeram a transição agroecológica ao mesmo tempo em que acessaram políticas públicas para a agricultura familiar.

“Sejam as compras institucionais, sejam as prefeituras, que podem apoiar a construção de feiras, de infraestruturas, das questões de vigilância sanitária, tem uma série de mecanismos que podem criar possibilidades para a formação e a multiplicação desses mercados”, afirma Petersen.

Ele complementa: “não são mercados imensos, mas são muitos mercados conectados entre si e nesse mercado produtores e consumidores definem as regras, definem preços, e são mercados que produzem a biodiversidade local”.

O EXEMPLO DA BORBOREMA

Na região da Borborema, no agreste paraibano, a agroecologia também tem um papel fundamental na melhora da saúde e também da economia das famílias camponesas.

Por lá, uma rede consolidada de 12 feiras agroecológicas atende 13 municípios.

Também há a presença das quitandas, que são pontos fixos de comercialização de produtos da agricultura familiar.

A região é um celeiro da preservação de sementes crioulas, que na Paraíba são conhecidas como sementes da paixão.

Tanto as feiras, como os mercados territoriais, são modelos que sobrevivem mesmo com o desmonte das políticas agrárias e de enfrentamento à pobreza e a fome no atual governo.

EXPANSÃO DA AGROECOLOGIA ATÉ 2016

Entre 2012 e 2017, o semiárido enfrentou a maior seca desde o primeiro registro dos níveis de chuva, em 1850.

Ainda assim, segundo ressaltou a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), em 2016, nenhuma pessoa havia morrido por efeitos da estiagem.

A melhora das condições de vida das famílias tem relação com a possibilidade de acesso a políticas públicas, como o programa Bolsa Família, cujo amplo alcance fez o país sair do Mapa da Fome, em 2014.

Já o acesso à água própria para consumo e para possibilitar o cultivo agrícola veio por meio do Programa Cisternas, que atendeu mais de 5 milhões de brasileiros na região mais seca do país.

MAIS POLÍTICAS

Quanto às iniciativas agroecológicas, elas se fortaleceram em 2003, a partir da criação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional e de programas como o Programa de Aquisição de Alimentos.

As políticas estimularam as famílias rurais a produzirem alimentos para tentar amenizar o drama da fome. Esse foi o início da expansão da agroecologia.

Até a criação dessas políticas públicas o que havia para a agricultura familiar era só a oferta de créditos, sempre induzidos para a produção de matéria prima para a indústria, em forma de commodities.


Imagem em destaque: casal de agricultores familiares. Foto de Cacheado Braga




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