A saudade bordada em almofadas

Mostra “Só queria embalar meu filho” traz obras de quase 100 artistas, de nove estados, e homenageia os desaparecidos durante a ditadura

Por Wagner de Alcântara Aragão (@waasantista) | De Santos (SP)

Os desaparecidos pela ditadura instaurada no Brasil com o golpe de 1964 são homenageados em um trabalho artístico bastante peculiar, e que volta a ficar em exposição em Curitiba, a partir de 26 de janeiro.

Trata-se da mostra “Só queria embalar meu filho”, uma obra coordenada pela escultora Rita Isabel Vaz e que conta com a participação de 95 bordadeiras e bordadores de várias partes do país.

Almofadas foram bordadas com os nomes dos desaparecidos e desaparecidas, além de mensagens ou desenhos que de alguma forma representam os homenageados. As almofadas ficam dispostas no chão, formando um imenso tapete.

A exposição integra o Circuito de Arte Contemporânea de Curitiba, no Museu Municipal de Arte, no Portão Cultural. A entrada é gratuita.

Entre novembro e dezembro, a mostra esteve no Campus da Reitoria da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

A artista conta que a obra é fruto do seu trabalho de conclusão de curso (TCC) superior em Escultura, pela Universidade Estadual do Paraná (Unespar), desenvolvido no decorrer de 2018, e teve como gancho os 50 anos do ato institucional número 5 (AI-5, de 1968, instrumento da ditadura que tornou ainda mais cruel a repressão instituída com o golpe de 1964).

As novas tecnologias informacionais foram grande aliadas na mobilização de bordadeiras e bordadeira. É a própria Rita Isabel Vaz quem conta, em entrevista à Rede Macuco:

SOBRE A ORIGEM DA MOSTRA
A pesquisa do TCC, denominada “Tecendo Memórias e Ausências: a arte como resistência e sobrevivência”, foi realizada no ano de 2018, ano em que o AI-5 completava 50 anos. Busquei homenagear os desaparecidos por ação da ditadura empresarial militar no Brasil. A princípio seriam 243 o número de homenageados que foram os que não foram enterrados, os restos mortais não foram entregues aos familiares para os ritos de despedida.

MOBILIZAÇÃO PELO FACEBOOK
Criei uma página no facebook e convidei bordadeiras e bordadores a participarem voluntariamente, bordando um ou mais nomes. Enviei os tecidos pelo correio, e no final foram 89 bordadeiras e 6 bordadores de nove estados do Brasil que participaram da obra.

CONFECÇÃO DAS ALMOFADAS
Os bordados foram transformados em pequenas almofadas, que formaram uma obra de 20 metros de comprimento sobre um tecido vermelho, como um rio de sangue, que também foi alentado pelos bordados singulares. Apareceram mais bordadeiras e a obra se estendeu para mais 60 mortos pela ditadura. Reconhecidos pela Comissão Nacional da Verdade [grupo instituído durante o Governo Dilma Rousseff] são 434 – fora os indígenas, quilombolas e camponeses. A obra não chegou nos 434, mas continua aberta. E eu [também] bordei várias almofadas. Alguns trabalhos se extraviaram no correio, para completar os 243 bordei umas 15 almofadas, a obra está com 303 almofadas, e essa montagem no Muma tem uma nova configuração.

Em tempos de um Brasil governado por um grupo político que nega as atrocidades da ditadura e idolatra a crueldade daquele período, a arte, acrescenta Rita Isabel Vaz, vem “acender lampejos, como vaga-lumes sobreviventes, recordando – para os que esqueceram – e mostrando (para os que não viveram) o que representou na vida das pessoas a ditadura empresarial-militar”.

Note-se que a artista faz questão de frisar, em suas palavras, a participação protagonista do poder econômico no regime autoritário instaurado com o golpe de 1964 e intensificado depois do AI-5. Ingerência do poder econômico muito semelhante a destes tempos também.

Foto em destaque: encontro na mostra “Só queria embalar meu filho” na UFPR. Por Edson Aparecido Rodrigues. 

Demais fotos: Rita Isabel Vaz (acervo pessoal) e almofadas estendidas na exposição na UFPR (por @waasantista)


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